Suspeita de envenenar bolo no RS passa por audiência de custódia e ficará 30 dias presa, decide Justiça

A mulher suspeita de envenenar um bolo que causou a morte de três pessoas da mesma família em Torres, no Litoral Norte do RS, Deise Moura dos Anjos, passou por audiência de custódia nesta segunda-feira (6). A Justiça decidiu que a investigada permanecerá presa por 30 dias.

Deise foi presa temporariamente no domingo (5) e é nora de Zeli dos Anjos, que preparou o bolo. Ela está detida no Presídio Estadual Feminino de Torres e responde por suspeita de triplo homicídio duplamente qualificado por motivo fútil e com emprego de veneno e tripla tentativa de homicídio duplamente qualificada.

Em nota, a defesa de Deise alegou que as prisões temporárias “possuem caráter investigativo” e que “ainda restam diversos questionamentos e respostas em aberto neste caso”. (Leia a íntegra abaixo)

Suspeita pesquisou sobre arsênio na internet

De acordo com o Tribunal de Justiça do RS, Deise fez pesquisas na internet sobre arsênio antes do caso. Um relatório preliminar dos dados extraídos do telefone da suspeita mostra que houve “busca na internet, inclusive no Google shopping, pelo termo arsênio e similares”.

Arsênio é um elemento químico liberado no ambiente de maneira natural ou pela ação do homem e componente usado na fabricação de alguns pesticidas. A exposição a arsênio pode causar intoxicação alimentar e reações similares a alergias, câncer em caso de exposição recorrente, e até morte.

A reportagem da RBS TV apurou também junto à Polícia Civil que a mulher fez pesquisas sobre a substância antes do caso, em novembro. A investigação segue em andamento, e a motivação não foi informada pelos investigadores porque, segundo a polícia, isso pode atrapalhar a investigação. (Leia mais abaixo).

O envenenamento por arsênio foi a causa da morte de três mulheres da mesma família após comerem um bolo em 23 de dezembro de 2024 (saiba mais abaixo).

Veneno na farinha, diz IGP

De acordo com Marguet Mittman, diretora do Instituto-Geral de Perícias (IGP), a fonte da contaminação foi a farinha usada para fazer o bolo consumido pelas vítimas.

 

“Foram identificadas concentrações altíssimas de arsênio nas três vítimas. Tão elevadas que são tóxicas e letais. Para se ter ideia, 35 microgramas já são suficientes para causar a morte de uma pessoa. Em uma das vítimas, havia concentração 350 vezes maior”, diz Marguet.

 

Conforme Marguet, foram coletadas 89 amostras na casa de mulher que fez o bolo. Uma amostra, de farinha, apresentou a concentração de arsênio.

 

‘Intenção de cometer crime’, diz polícia

O delegado Marcus Vinícius Veloso, responsável pela investigação, afirmou em coletiva de imprensa que são “robustas as provas que apontam que ela [Deise Moura dos Anjos] é a autora [dos crimes]”. No entanto, não divulgou detalhes das provas, inclusive o motivo para o crime, porque isso pode atrapalhar a investigação.

 

“Ela teve a intenção de cometer o crime. Foi um crime doloso”, afirma o delegado Veloso.

 

A Polícia Civil investiga, ainda, quem era o alvo de Deise ao envenenar o bolo, como ela obteve arsênio e em que momento ele foi colocado na farinha.

Os envenenados

As três pessoas que morreram após consumir o bolo são: as irmãs Neuza Denize Silva dos Anjos e Maida Berenice Flores da Silva, e a filha de Neuza, Tatiana Denize Silva dos Anjos.

De acordo com o último boletim médico, a mulher que preparou o bolo, Zeli dos Anjos, de 60 anos, está hospitalizada em estado estável. Nesta segunda-feira (6), ela deixou a Unidade de Tratamento Intensivo (UTI). A criança de 10 anos que também comeu o bolo recebeu alta do hospital na sexta-feira.

Gosto estranho

As pessoas que consumiram o bolo notaram um gosto estranho ao ingerir o doce, segundo o delegado Marcus Vinícius Veloso. O alimento, com sabor apimentado desagradável, foi percebido logo nos primeiros pedaços. Zeli chegou a interromper o consumo ao perceber as reclamações.

 

“Tão logo o menino de 10 anos comeu e também reclamou do sabor, ela meio que colocou a mão assim em cima do bolo, [e falou] ‘e agora ninguém mais come’. E as pessoas começaram a passar mal naquele momento”, diz o delegado.

O marido de Neuza, que não consumiu o bolo, não apresentou sintomas. E o marido de Maida comeu o bolo, foi hospitalizado, mas já teve alta. Os nomes deles não foram oficialmente divulgados.

Relembre o caso

De acordo com a Polícia Civil, sete pessoas da mesma família estavam reunidas em uma casa, durante um café da tarde, quando começaram a passar mal. Apenas uma delas não teria comido o bolo. Zeli, que preparou o alimento, em Arroio do Sal e levou para Torres, também foi hospitalizada.

Três mulheres morreram com intervalo de algumas horas. Tatiana Denize Silva dos Anjos e Maida Berenice Flores da Silva tiveram parada cardiorrespiratória, segundo o hospital. Neuza Denize Silva dos Anjos teve como causa da morte divulgada “choque pós-intoxicação alimentar”.

Segundo o delegado Marcus Vinícius Veloso, Zeli foi a única pessoa da casa a comer duas fatias. A maior concentração do veneno foi encontrada no sangue dela.

O que é arsênio

Conforme André Valle de Bairros, professor de Toxicologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), o arsênio é o elemento químico, enquanto arsênico é denominado para o composto trióxido de arsênio.

 

“O arsênico trata-se da forma mais tóxica. A partir de 100 mg é possível a morte de um indivíduo adulto. Geralmente, o arsênico está na forma de pó e não tem cheiro ou gosto. Apesar de ter sido usado como raticida, esta droga pode ser empregada para fins de tratamento oncológico em pacientes com leucemia promielocítica aguda e é comercializada como Trisenox”, explica o especialista.

 

Bairros assinala que arsênico é proibido de ser comercializado no Brasil como raticida e o uso como agente quimioterápico é restrito.

“O arsênio é um elemento de alta toxicidade conhecida pela humanidade e sempre houve um certo temor. Há locais no globo terrestre ricos em arsênio, e isso contamina fontes de água. Mas é algo que precisa ser muito investigado. Há literatura científica, e de fato, há essa contaminação em leite, carne e frutas, porém, o fato de estar expostos a concentrações maiores de arsênio não significa necessariamente uma intoxicação”, acrescenta.

Nota da defesa de Deise

O escritório Cassyus Pontes Advocacia representa a defesa de Deise Moura dos Anjos no inquérito em andamento sobre o fato do Bolo, na Comarca de Torres, tendo sido decretada no domingo a prisão temporária da investigada.

Todavia, até o momento, mesmo com o pedido da Defesa deferido pelo judiciário, ainda não houve o acesso ao inquérito judicial.

A família, desde o início, colabora da investigação, inclusive o com depoimento de Deise em delegacia, anterior ao decreto prisional.

Cumpre salientar, que as prisões temporárias possuem caráter investigativo, de coleta de provas, logo ainda restam diversos questionamentos e respostas em aberto neste caso, os quais não foram definidos ou esclarecidos no inquérito.

Fonte: g1 RS

Foto: Divulgação