Algumas empresas que participaram de um experimento sobre a semana de 4 dias de trabalho no Brasil precisaram fazer ajustes para permitir que os funcionários continuem atuando com uma jornada reduzida, ainda que não todas as semanas, após o teste de seis meses.
Um escritório de advocacia em São Paulo (SP) decidiu diminuir o número de folgas inicialmente previstas no projeto piloto. O descanso semanal foi substituído por apenas um dia livre no mês, além dos fins de semana e feriados.
“Começamos de maneira muito empolgada, mas não coube”, afirma Soraya Clementino, sócia-fundadora do escritório Clementino e Teixeira.
“A parte em que mais tivemos desafios foi a dos advogados que trabalham com processos porque eles têm prazos judiciais, audiências e compromissos com clientes atrelados a esses prazos. Às vezes, o advogado já fez a parte dele, mas depende de um documento que o cliente não entregou.”
O experimento em questão é uma iniciativa da “4 Day Week Brazil”, parceira no Brasil da “4 Day Week Global”, uma organização sem fins lucrativos que já fez vários testes parecidos ao redor do mundo. O objetivo é reduzir a jornada de trabalho, mantendo 100% dos salários e da produtividade.
Ao todo, 19 empresas concluíram a primeira edição do experimento no Brasil. Todas decidiram manter, permanentemente ou ainda como teste, a redução do expediente, mas algumas em menor escala, como o escritório de advocacia. Veja mais relatos abaixo.
As companhias são de cinco cidades em quatro estados (SP, RJ, MG e PR) e participaram do projeto com, no máximo, 25 colaboradores. A maioria é da área de tecnologia, comunicação e consultoria, mas um hospital também participou, com funcionários da área administrativa.
A segunda edição está com inscrições abertas até o fim de setembro. E, além do investimento no projeto, que custa a partir de R$ 7 mil, as empresas participantes relataram gastos com contratações e tecnologia.
“Mas entendo que é um valor baixo face ao tamanho do ganho porque essas ferramentas e contratações permitirão, a longo prazo, absorver mais trabalho com a mesma equipe”, pondera Soraya, do escritório de advocacia.
Um ajuda o outro 🤝
No escritório de advocacia, que tem 15 funcionários, alguns setores tiveram mais facilidade para reduzir a jornada, como a área administrativa e a dos advogados que trabalham com consultoria, conta o associado Tadeu Carazza.
É que essa equipe, da qual ele faz parte, analisa contratos, desenvolve documentos para adequação de uma empresa a alguma lei, resolve questões de compliance, entre outras funções que, normalmente, permitem que os prazos de entrega sejam negociados apenas com os clientes.
No entanto, após o fim do experimento, a decisão do escritório foi modificar o esquema de folgas para todos os funcionários.
A empresa substituiu a semana de 4 dias por um único dia de descanso por mês, mas, agora, a ideia é aumentar as folgas aos poucos (veja abaixo qual foi a decisão de cada empresa entrevistada).
“É uma questão de equidade. Quando alguém não está trabalhando, alguma atividade vai ficar sem ser feita e aí, se mais pessoas estiverem no escritório, mesmo que não sejam da área, elas podem ajudar. Fica mais fácil para todos conseguirem a folga”, diz Soraya Clementino.
A importância da colaboração entre os funcionários durante o experimento também foi destacada pela Mol Impacto, uma empresa de São Paulo (SP) que desenvolve produtos para ajudar causas sociais, como as revistinhas de doações vendidas em farmácias.
Após o piloto, a companhia decidiu manter a semana de 4 dias e, agora, pretende expandir para todos os colaboradores. Inicialmente, o teste foi feito com 13 dos 55 funcionários, que se dividiram em duplas, para um folgar na segunda e o outro, na sexta-feira.
Para o método dar certo, segundo a CEO Roberta Faria, “um precisa saber como cobrir o trabalho do outro”.
E isso significa, inclusive, em alguns casos, desempenhar tarefas que não fazem parte da sua lista original de atribuições.
Ainda assim, a diretora afirma que os funcionários não se importaram em aprender novas funções porque havia um espírito de equipe, para fazer o projeto funcionar. “Tivemos que dar mais autonomia, confiar mais nos colegas”, diz.
“Todos nós tivemos que nos empoderar. O que o analista precisa saber para estar preparado para uma determinada reunião, no lugar do gerente? E a postura do analista, geralmente, era de ‘me ensina, porque aí vai dar certo para todos nós’”, relata a funcionária Rafaela Carvalho.
Dias mais corridos 🏃♀️➡️
Outra percepção comum entre as empresas participantes do projeto foi a de um ritmo mais acelerado nas horas efetivas de trabalho. Quase metade dos líderes e trabalhadores notaram esse aumento, de acordo com o relatório final do teste.
É que a proposta do experimento era diminuir os dias de serviço, mas sem, jamais, aumentar o número de horas trabalhadas por dia.
“Certamente, os dias ficaram mais corridos. Tem tudo a ver com eliminar distrações, mas o feedback é que o benefício de um dia de folga é muito grande, então vale a pena o esforço”, observa Cláudia Carmello, sócia-fundadora da agência de publicidade PiU Comunica.
A empresa, também de São Paulo (SP), tem 25 funcionários e faz parte do grupo de participantes que teve que dar um passo para trás para continuar com a jornada reduzida.
Inicialmente, a agência aderiu ao teste com uma parte dos funcionários folgando na quarta-feira e a outra, na sexta. Agora, o método mudou para todos descansarem às sextas, mas a cada 15 dias.
Para a empresa não ter que fechar neste dia da semana, os funcionários se revezam: uma parte deles folga na primeira sexta-feira do mês, por exemplo, e a outra, na sexta-feira seguinte.
“A gente percebeu que folgar de quarta não era o melhor modelo para a gente. Acontece coisa demais. De sexta, os próprios clientes pedem menos coisas, é mais parado. Resolvemos fazer isso para ter tempo de cuidar dos aprimoramentos e ver qual modelo vamos adotar de maneira fixa”, explica Cláudia.
Na Mol Impacto, empresa de produtos sociais, o que funcionou foi “cortar as distrações”, diz a funcionária Rafaela Carvalho. Ela percebeu, inclusive, que começou a terminar os dias de trabalho com várias mensagens não lidas no WhatsApp, porque passou a evitar respondê-las durante o expediente.
“A gente tem a ‘hora do foco’ diária. É um momento sem reunião, sem responder mensagens. A gente também tem feito reuniões mais concisas, mais rápidas, com menos gente”, detalha a diretora Roberta.
No caso do escritório de advocacia, a semana de 4 dias ficou ainda mais puxada porque, na prática, os funcionários chegavam a extrapolar os 5 dias de trabalho antes da tentativa de reduzir a jornada, conta Soraya, a sócio-fundadora.
“Às vezes, os advogados precisam responder a clientes fora do horário, no fim de semana… Então, para nós, tirar um dia de trabalho significou reduzir mais do que 20% da jornada e, mesmo com as melhorias, as pessoas ficaram muito sobrecarregadas.”
Cumprir prazos é obrigatório 🗓️
O ritmo mais acelerado de trabalho também pode ser explicado pela necessidade de cada funcionário adiantar suas tarefas. Na agência de publicidade, eles não costumam desempenhar as funções do colega que está de folga.
“Não tem como. Cada um é técnico, então a gente se programa para fazer as entregas antes. [A substituição] é mais em caso de emergência, enviar algum e-mail, algo mais simples”, relata a gerente de mídia Carolina Giacomelli.
E, para que isso seja possível, todo o time precisa entender as prioridades e entregar as demandas dentro dos prazos. “É uma escadinha. Tem o atendimento ao cliente, o time de mídia, criação, e a gente conversa o tempo todo”, afirma.
“Temos que pensar que a empreitada é coletiva. Não posso fazer o que estou com vontade no dia. Tenho que seguir o planejamento”, explica Cláudia, a sócia-fundadora da agência.
Na Greco, empresa de design gráfico sediada em Belo Horizonte (MG), antecipar a produção também ajudou.
“A gente conseguiu se organizar para entregar todas as demandas até quinta-feira. Não poderíamos passar para segunda porque a ideia do projeto é manter 100% da produtividade“, relata o dono Gustavo Greco.
É que todos os 22 funcionários da companhia folgam de sexta-feira, e isso será mantido após o teste.
“Ainda temos momentos de muitas entregas, e a gente não se culpa. Se a pessoa precisar muito ir trabalhar na sexta, por causa de algum evento, cliente, ela vai e depois folga em outro dia”, diz Gustavo
As decisões de cada empresa após o teste:
- Clementino e Teixeira, escritório de advocacia de São Paulo (SP)
– participou do projeto com todos os 15 funcionários
– semana de 4 dias virou 1 folga mensal - Mol Impacto, empresa de produtos sociais de São Paulo (SP)
– participou do projeto com 13 dos 55 funcionários
– vai manter semana de 4 dias e tentar expandir para mais colaboradores - PiU Comunica, agência de publicidade de São Paulo (SP)
– participou do projeto com todos os 25 funcionários
– semana de 4 dias virou 1 folga quinzenal - Greco, empresa de design gráfico de Belo Horizonte (MG)
– participou do projeto com todos os 22 funcionários
– vai manter semana de 4 dias
Fonte: g1