Conforme o Relatório “The human cost of disasters: an overview of the last 20 years (2000-2019)” publicado pela UNDRR (United Nations Office for Disaster Risk Reduction) em 13 de outubro de 2020, os eventos climáticos extremos passaram a dominar a paisagem de desastres no século 21. Este assunto guarda relação íntima como o aquecimento global. Este problema decorre do aumento da concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, derivado da queima de combustíveis fosseis (carvão mineral, petróleo e gás natural) e do sistema agroalimentar que desmata grandes extensões de florestas para produzir commodities como soja para alimentar animais ou implantar pastagem para o gado bovino.
Sendo assim, o fenômeno que aconteceu no Rio Grande do sul, no vale do Taquari, se classifica como um Evento Meteorológico Extremo (EME) que causou um desastre socioambiental de enormes dimensões, ceifando muitas vidas humanas causando grandes perdas econômicas nas infraestruturas, agricultura e produção animal.
Após desta tragédia, pessoas inescrupulosas começaram a espalhar nas redes sociais mentiras e desinformação sobre o desastre. Uma delas dizia que algumas barragens abriram suas comportas ocasionando as graves inundações. Dados do CERAN (Complexo Energético Rio das Antas) localizado na região nordeste do estado do Rio Grande revelem que, na segunda-feira dia 04 de setembro, o Rio das Antas atingiu a vazão mais alta desde sua construção, uma das maiores registradas. Lembrando que uma obra de engenharia como esta, foi projetada para ter uma vazão (saída de água) conforme a média histórica das chuvas.
Veja o caso de uma das barragens, a Usina Hidroelétrica Castro Alves, no rio das Antas.
No longo período, a obra foi projeta para ter uma média de vazão é 162,0 m3/seg.. A barragem estava preparada para vazão de 9.011 m3/seg., cálculo para um evento extremo, do tipo que ocorre a cada 10.000 anos (também chamada de ‘vazão decamilenar’). Nesse dia, a vazão chegou a 9.783,03 m3/seg. (ou seja mais de nove milhões de litros por segundo) por causa do volume extremo das chuvas. Claramente temos um evento fora do normal na região, de um desastre natural de grandes proporções e cujas consequências são de público conhecimento.
Infelizmente estas barragens não tem capacidade de mitigar os impactos das chuvas no entorno do rio. Isso porque possuem vertedouro do tipo soleira livre, que tem a característica “a fio d’água”. Em termos práticos, não existe capacidade de armazenamento e para regular o fluxo do rio, já que todo o excedente de água das chuvas registradas passa por cima da barragem.
O outro caso é a Usina Hidroelétrica Monte Claro, também no rio das Antas.
Neste outro exemplo também se pode observar que a vazão registrada no dia 04/09/2023 foi de 14.615,25 m3/seg. quando o volume previsto para um evento extremo decamilenar era de 17.038 m3/seg.
Sendo assim, é mentira que as inundações nas localidades do vale do Taquari foram causadas porque as barragens ‘abriram’ suas comportas. Esta classe de narrativa é a forma mais fácil de buscar culpáveis para um evento extremo, cujas causas reais são as mudanças climáticas derivadas do aquecimento global e provocadas pelo sistema capitalista que busca apenas lucro. Os cientistas têm nos contado isso há décadas que as causas do aquecimento global são derivadas das atividades humanas. Uma e outra vez, mas muitos líderes se recusaram a ouvir. Nos próximos anos mais lugares e pessoas enfrentarão eventos extremos como temperaturas recordes com ondas de calor extremas, incêndios florestais, tempestades e inundações deixando um rastro de morte e devastação (desculpa, não posso ser otimista em relação ao futuro).
Enfim, o que ocorreu recentemente no vale do Taquari é só uma amostra do que está por vir: tragédias continuarão ocorrendo nos próximos anos, com intensidades variáveis em diversos locais, cada vez mais rápido impossibilitando uma adaptação das sociedades às mudanças. O futuro será pior, muito pior do que você imagina. Mas essa piora dependerá de nossa reação como sociedade organizada para atenuar ou mitigar as consequências.
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