A Defensoria Pública do Estado (DPE) do Rio Grande do Sul abriu um procedimento para apurar danos causados aos consumidores por casas de apostas, nas chamadas “bets”. As maiores empresas do ramo do país devem ser oficiadas para prestar uma série de esclarecimentos sobre o assunto em um prazo de 15 dias.
De acordo com o dirigente do Núcleo de Tutelas Coletivas da DPE, defensor público Felipe Kirchner, o órgão busca informações e documentos sobre os seguintes pontos:
- publicidade enganosa
- falta de transparência nas regras e nos pagamentos
- participação de menores de idade
- participação de pessoas dependentes de jogos
- práticas abusivas aos consumidores
- risco de superendividamento
“A gente tem responsabilidade com relação ao consumidor, a evitar a ludopatia, a evitar que pessoas vulneráveis possam ser vítimas, efetivamente, dessas práticas. O superendividamento começa na pessoa, mas acaba sendo um problema social, que afeta a família e a sociedade como um todo. E nós estamos vivendo uma pandemia de superendividamento”, diz Kirchner.
De acordo com o defensor público, as bets agravam a situação social, em especial no Rio Grande do Sul, que passou, no mês de maio, pela pior enchente já registrada na história do estado. “Nós acabamos de passar por uma situação de calamidade social e econômica. Exatamente em cenários como o nosso aqui, do Rio Grande do Sul, isso se amplifica”, diz.
Um levantamento do Banco Central (BC) aponta que os brasileiros gastaram cerca de R$ 20 bilhões por mês em apostas online nos primeiros oito meses de 2024. Aproximadamente 24 milhões de pessoas físicas participaram de jogos de azar e apostas online, realizando pelo menos uma transferência via Pix durante o período analisado.
“Os dados estão indicando e movimentando, realmente, bilhões de reais por mês, e grande parte desses bilhões de reais está provocando o superendividamento das famílias, pessoas que estão utilizando o dinheiro da renda pessoal para isso”, explica Kirchner.
O presidente do BC, Roberto Campos Neto, afirmou que a instituição está monitorando impacto das apostas no nível de endividamento da população brasileira.
Já o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que o governo federal terá um sistema de controle para impedir apostas online com cartão de crédito. Segundo ele, haverá também um monitoramento de CPFs de pessoas que apresentarem comportamento de dependência dos jogos.
Ação da Defensoria Pública
A ação aberta pela DPE é um Procedimento para Apuração de Dano Coletivo (PADAC). Segundo o defensor público Felipe Kirchner, o efeito prático da medida envolve a coleta de dados, a análise das hipóteses e a implementação de medidas corretivas para proteger os consumidores.
“Existem dados (em que as bets estão) impactando na questão do próprio comércio, pessoas deixando de, efetivamente, comprar produtos essenciais, como alimentação e vestuário, para, de alguma forma, investir o dinheiro e perdê-lo nessas casas de jogos”, conta Kirchner.
Além de oficiar as casas de apostas, a Defensoria Pública do Estado também requisitou informações à Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda. O órgão busca, junto ao governo federal, informações sobre fiscalização e regulamentação das bets e medidas para garantir a transparência e a conformidade com as normas de proteção ao consumidor.
Preocupação com as eleições
Outra preocupação levantada pela DPE é o oferecimento de apostas em processos eleitorais. Na ação, o órgão quer saber o entendimento da empresa quanto ao impacto dessa prática na integridade do processo democrático e o risco de manipulação ou influência indevida sobre o voto.
“O nosso temor é […] o quanto isso pode, efetivamente, manipular não só os resultados de eleição, mas a voz das pessoas: da pessoa passar a votar em A, B ou C por conta de apostas esportivas e o quanto pode impactar, inclusive, no direito de voto das pessoas, ou na sua escolha pelos candidatos”, informa o defensor público.
No dia 17 de setembro, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu deixar claro que a prática de sorteios de prêmios ou apostas relativas às eleições ou a candidatos é uma irregularidade, que pode caracterizar abuso de poder econômico e crime eleitoral. Os ministros aprovaram uma mudança na resolução da Corte Eleitoral sobre ilícitos eleitorais — ou seja, as ações proibidas durante a campanha.
“As eleições estão cooptadas por essa lógica das bets, o que, por si só, nós já entendemos como algo equivocado e, no mínimo, irregular. O campo da cidadania, da política, deveria estar isento e deveria estar protegido dessa lógica da bets”, completa Kirchner.
Fonte: g1 RS