Por Luiza C. Nunes, estudante de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Maria, campus Frederico Westphalen
Falar “gótico” se referindo àqueles que andam sempre de preto, com maquiagens escuras, que escutam rock e bandas pesadas ou melancólicas, é comum para muitos. É claro que isso pode ser algumas das características de quem se identifica com a subcultura gótica, entretanto, pensamentos errôneos e distorcidos sobre o assunto são ideias que levam pessoas a ter uma visão superficial do movimento. Há quem não sabe que a subcultura vai bem além disso, propagando falas sem conhecimento e levando esse estereótipo adiante para outros.
O uso do termo “gótica suave” por vezes já pode ser observado na internet, sendo utilizado por pessoas que não fazem parte da subcultura para designar um estado temporário de uma vestimenta ou maquiagem, mais sombria e marcada do que o comum, carregando uma intenção visual de causar “espanto”. Com isso, a expressão pode fortalecer alguns estereótipos relacionados a quem de fato pertence e se identifica como gótico, trazendo a ideia novamente de que é algo simplesmente estético, desprovido de significados e demais características.
Historicamente, segundo os sites Gothic Station e Spectrum Gothic, o termo “gótico” foi usado como adjetivo para diversas manifestações artísticas, comportamentais e visuais. O termo também foi usado pela primeira vez no início da Renascença, para nomear pejorativamente a tendência arquitetônica, criada pela Igreja Católica. Já no Romantismo do século XVIII, o termo designa uma parte da literatura romântica. Além disso, como a Idade Média também é conhecida como “Idade das Trevas”, o gótico é aplicado como sinônimo de medieval e macabro. Existem alguns subgêneros românticos na literatura que estão dentro do chamado Gothicism (Goticismo), sendo um deles o ultra-romantismo, onde a dramaticidade e a morbidez tomam conta do enredo.
A subcultura gótica, chamada antigamente por muitos de “Dark”, teve início no final dos anos 70 e começo dos anos 80 no Reino Unido, influenciada por diversas correntes artísticas, como a Cultura do Cabaré, o Expressionismo etc. A subcultura inclui um estilo de vida, sendo um contexto artístico e comportamental que está associado diretamente à música, cinema, arte, política, filosofia e vestuário.
As músicas góticas perpassam vários estilos e gêneros, como post-punk, darkwave, synthpop, industrial, gothic rock etc. Com o passar dos anos, o gótico se desdobrou em vários estilos musicais e normalmente quem se identifica com a subcultura escuta mais de uma vertente. Diferente do que muitos pensam, música gótica não apenas pode ser uma música pesada ou melancólica, pode-se pegar como exemplo o Synthpop, onde a batida da música é mais eletrônica e animada. Caindo por terra o pensamento de que gótico é triste. O mundo literário também é importante para a subcultura, o cenário gótico conta com inúmeras obras com papéis importantes em questões sociais e artísticas, algumas sendo “modelos de referência” que inauguraram toda uma tradição estética, como Drácula de Bram Stoker, Carmilla de Sheridan Le Fanu, contos de Edgar Allan Poe, Coraline de Neil Gaiman, entre outros. Livros que abordam mistério, sentimentos, malícia humana, horror, melancolia, ficção e questões existenciais no geral.
No cinema, a temática gótica tem inspiração e influência de várias correntes artísticas, mas a base para o cinema gótico vem da literatura do século XVIII e XIX, em especial, dos romances góticos. Sendo esses que trouxeram as características que conhecemos hoje, o estilo de narrativa, a ambientação, os personagens, conflitos etc. Já as influências cinematográficas surgiram no início do século XX, com os filmes Noir e Expressionistas. No cinema expressionista a influência da literatura gótica estava interligada. Sendo que para essa vertente, um bom filme era aquele que se afastava da realidade, todas as características dos filmes ampliava o clima de pesadelo desse gênero e seus personagens deformados. Além disso, as formas pioneiras do cinema contribuíram para construir a imagem do vestuário gótico e da estética dos filmes da segunda metade do século XX em diante.
A representação cinematográfica da subcultura gótica pode ser considerada muito restringida a aspectos estéticos. Entretanto, pode-se observar em diversos personagens comportamentos que os fazem estar inseridos nesse mundo, podendo assim identificá-los como góticos. As características que podem ser observadas nesses filmes são a ambientação mais isolada, os tons mais frios dos cenários e cenas, misticismo, sobrenaturalidade, terror, terror psicológico e o mergulho na mente dos personagens. Tim Burton, por exemplo, é um diretor com uma filmografia ligada ao gótico, obras como A Noiva Cadáver, Frankenweenie e O Estranho Mundo de Jack são alguns exemplos. A lista é enorme, são grandes obras cinematográficas e autores que retratam a subcultura gótica de alguma maneira.
A política também faz parte da subcultura, visto que o gótico é um modo de vida alternativo que vai de encontro à postura da cultura dominante, pelo simples fato de se manifestar assim. O movimento preza pela individualidade, a liberdade de expressão e pelo laicismo. Há um certo preconceito com a subcultura gótica pela afeição à androginia e o apreço por temas considerados “anormais”. Por possuir uma postura anti-consumista, contra discriminações das mais diversas formas sobre as minorias da sociedade, acaba por se aproximar muito à esquerda, ainda que não se façam manifestações diretas, e sim manifestações políticas através da arte, cinema e música.
Além disso, a temática gótica traz um conflito entre o bem e o mal interior, a ideia de que somos intrinsecamente impuros, o oposto do que, por exemplo, algumas religiões crêem. Para essas, pensamentos impuros são um erro a ser corrigido, e que devemos ser puros como “Deus”, diferente do que a subcultura gótica acredita. Você estando dentro do cenário gótico tem todas as motivações para ser libertário, afinal, seria extremamente difícil ter qualquer subcultura em um regime ditatorial e opressor, ou mesmo ter qualquer identidade cultural, étnica ou de gênero alternativa.
É claro que relacionar o gótico a quem usa preto e usa maquiagens escuras e diferentes é um pensamento comum na sociedade, geralmente sem intenções ruins e nem maldade. Entretanto, muitos usam da estética e se denominam “góticos”, em fantasias por exemplo, se apropriando de uma subcultura com tanta história, conteúdo e valores, sem saber sobre ela. É importante saber como a subcultura gótica realmente é, e em como ela está presente em diversas obras que são consumidas, até mesmo por quem não a conhece. Evitando assim a propagação de ideias preconcebidas e superficiais do movimento.