Desde o final de junho, os gaúchos têm enfrentado temperaturas abaixo da média esperada para o inverno. Massas de ar polar com origem na Antártida têm viajado para a América do Sul, passado pela Argentina e estacionado sobre o Rio Grande do Sul. E em caso de vento e umidade, a sensação é de que faz mais frio ainda.
Mesmo com frente fria para cá e massa de ar polar para lá, as paisagens do Estado dificilmente ficam cobertas de neve, como acontece nos invernos de outros países. No último final de semana, a Climatempo chegou a anunciar chance de neve em alguns pontos do RS, alerta que foi retirado durante a semana conforme as previsões foram atualizadas.
A cidade de Quaraí, por exemplo, registrou marcas negativas nos termômetros em quatro dias na última semana. Se nem com temperaturas abaixo de 0° está nevando, o que, afinal, é necessário para o fenômeno acontecer?
O que precisa para nevar
Os cristais de gelo formados no interior das nuvens precisam do alinhamento de alguns fatores para chegarem inteiros até o solo, sem derreter. Para começar, a temperatura deve estar muito baixa.
Josélia Pegorim, meteorologista da Climatempo, explica que os cristais de gelo se agrupam para formar flocos, unidos pelo frio. Se a temperatura no lado de fora da nuvem for inferior a 0°C – e permanecer assim até o solo – os flocos caem na forma de neve. Isso só acontece quando a umidade também está elevada, permitindo a transformação da água em gelo.
— A neve é um tipo de precipitação invernal sólida — descreve a especialista — Não existe um floco de neve igual ao outro, são milhares de formatos. O que define o tipo de cristal é o caminho percorrido pela temperatura e umidade da nuvem e do ar.
A altitude não é uma condição obrigatória. Cidades mais altas tendem a ser mais frias, porque o ar rarefeito tem uma menor capacidade de reter calor. Isso faz com que lugares como as serras gaúcha e catarinense tenham neve com mais frequência.
Porém, a baixa altitude em locais como Nova York, Paris ou Londres não impede que os flocos caiam. Nesses casos, a atmosfera é suficientemente úmida e fria para garantir as condições ideais para o fenômeno acontecer. A neve precisa do alinhamento entre alta umidade e baixa temperatura.
Nem só de neve vivem as nuvens
Quando todos os milhares de metros entre o solo e as nuvens estão com temperatura negativa, os flocos chegam ao chão como neve. Porém, se a temperatura subir, a precipitação é outra. Os flocos podem entrar em contato com uma camada de ar mais quente, acima de 0°C, e derreter. Caso eles passem por uma zona mais fria, é possível que as gotículas de água congelem novamente.
Se a água derretida consegue congelar de novo ainda no ar, a precipitação chega ao solo como chuva congelada. Se o resfriamento acontece na superfície, o caso é de chuva congelante. Agora, se o ar quente se estende até o solo, sem permitir que as gotículas de água congelem novamente, é a chuva que conhecemos bem.
O processo de resfriamento da atmosfera está diretamente ligado às massas de ar. No nosso caso, a baixa temperatura vem do polo sul, como explica Josélia:
— O que causa a baixa temperatura no Brasil é a passagem de massa de ar polar, as bolhas de ar frio que vêm da Antártida.
Granizo
O granizo já é um caso diferente. Quando se formam, os cristais de gelo dentro das nuvens se agrupam devido ao frio. Se a nuvem estiver gelada o suficiente – e aqui falamos de temperaturas na casa dos 30 ou 40 graus negativos – os flocos se unem a ponto de formar pedras de gelo dos mais variados tamanhos.
— Granizo é um gelo que se formou dentro da nuvem e chega na superfície ainda como pedra de gelo — pontua a meteorologista — Não precisa necessariamente ter temperatura baixa entre a nuvem e o solo. Uma pedra de gelo grande diminui de tamanho com o derretimento que sofre na descida.
Granizada, como são chamadas as ocorrências de granizo, podem acontecer em qualquer estação, o ano inteiro. No Rio Grande do Sul, é fácil encontrar pedras de gelo no verão e na primavera, às vezes do tamanho de bolas de tênis. As nuvens muito geladas conseguem formar aglomerados de gelo tão grandes que até o ar quente da atmosfera não é capaz de derretê-las por completo. O que chega ao solo é o que restou do processo de derretimento no caminho.
Geada não precipita
Chuva, neve e granizo são precipitações, ou seja, são o resultado do que cai das nuvens. Outro fenômeno recorrente no inverno é a geada, formação característica dos dias muito frios, mas que não vem do céu.
— Geada é o congelamento do orvalho noturno sobre as superfícies. Pode ter uma extensão maior ou menor, depende da temperatura logo acima do solo — esclarece Josélia.
O orvalho, fenômeno contrário à evaporação, é o que acontece quando a umidade do ar encontra uma superfície fria o suficiente para transformar as partículas em gotas. A geada não cai nem precipita.
— Se forma em situações de temperatura abaixo de 0°C no solo, não necessariamente no ar — completa.
Por que não neva com frequência no RS e no Brasil?
Assim, para nevar, é necessário que se combinem nuvens muito geladas, temperatura do ar negativa e alta umidade. O que acontece no Rio Grande do Sul e no resto do país é que dificilmente tudo isso acontece ao mesmo tempo.
Alguns casos de neve aconteceram nos estados da região sul, lembra Josélia, como em 1975, 1994 e 2013. O final de junho marcou o aniversário de 30 anos da forte neve que caiu em regiões da Serra, do Vale dos Sinos, das Missões e da Fronteira Oeste. Cidades como Uruguaiana, Santa Vitória do Palmar, São Luiz Gonzaga, Santa Maria, Cruz Alta, Passo Fundo, Bagé, Gramado e até Porto Alegre tiveram locais cobertos pela grossa camada branca.
Os gaúchos estão, sim, acostumados com dias de frio de renguear cusco. Mas alinhar a temperatura com a umidade e garantir que o percurso inteiro entre a nuvem e o chão esteja abaixo dos 0ºC é mais difícil. Até agora, não houve previsão para nevar em 2024.