Com as movimentações do governo do Rio Grande do Sul para privatizar a Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan), através da tramitação da PEC 280, que retira a necessidade de consulta à população para efetuar a venda desta, do Banrisul e da Procergs, o depoimento de dois servidores públicos do estado evidencia o risco social da venda de ações.
Eles manifestam preocupação com a perda de controle sobre os rumos do tratamento e abastecimento da água que chega a 6 milhões de gaúchos em 317 municípios, o equivalente a 63% do RS. E também questionam o porquê de se desfazer de uma empresa pública que dá lucro.
“A lógica da iniciativa privada é diferente da estatal, onde há princípios do serviço público que regem a condução do processo”, alerta o geógrafo João Manuel Seixas Osório Trindade Silva, que atua na Divisão de Unidades de Conservação da Secretaria do Meio Ambiente (Sema) e teve passagem pelo Departamento de Planejamento de Recursos Hídricos. Caso a privatização ocorra, “as populações mais carentes podem ficar menos atendidas”, prevê o analista.
Segundo Silva, neste cenário, o abastecimento das comunidades dependerá das relações entre a nova empresa e os municípios. “A privatização deveria ser acompanhada de políticas de Estado com regras claras para regular o uso da água e projetos para investimentos em regiões mais necessitadas”, comenta o servidor, ressaltando que a tendência é que os recursos sejam destinados a áreas com populações de maior potencial pagador.
Para o engenheiro civil Valdir Fiorentin, diretor do Sindicato dos Servidores de Nível Superior do RS (Sintergs), é um absurdo que um direito humano fundamental seja privatizado. “Temos exemplos concretos de Uruguaiana e São Paulo (SP), onde os serviços hídricos foram privatizados e houve substancial aumento das tarifas sem uma efetiva melhoria na qualidade”, ressalta.
Especialista em saúde da Secretaria Estadual da Saúde (SES), o engenheiro químico Luciano Zini também teme pelo atendimento aos municípios menores. Até então, o excedente de arrecadação dos municípios maiores e economicamente viáveis garantia o abastecimento dos pequenos por meio do subsídio cruzado. Com a privatização da Corsan, este mecanismo pode ficar comprometido, já que não há interesse do capital privado de investir onde não há retorno.
“Os lucros vão para a iniciativa privada, e o estado vai arcar com o déficit”, analisa Zini, fiscal sanitário da SES. “A Corsan é uma empresa superavitária que contribui com a arrecadação do estado. Qual a intenção por trás disso?”, questiona o servidor. Em sua avaliação, o governador Eduardo Leite (PSDB) está considerando apenas a perspectiva econômica, ignorando as questões sociais envolvidas na venda da companhia.
Outro fator que deve ser levado em conta é o intensivo capital aplicado ao longo de décadas na Corsan, fundada em 1966. “É dinheiro público, do contribuinte, para as obras de engenharia. As instalações, as redes coletoras de esgoto, as redes distribuidoras de água e todo esse patrimônio vai subsidiar os lucros de quem chegar sem dar os devidos retornos ao estado”, alerta Zini, que atua na fiscalização do cumprimento do padrão brasileiro de potabilidade.
*Sintergs