Desde março, quando os primeiros infectados por covid-19 foram detectados no país, a estimativa sobre o progresso e declínio da pandemia foram muitos. As primeiras previsões indicavam que, seguindo as orientações dadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS), o pico da pandemia se daria em abril. Com o avanço dos contágios pelos estados no país, o pico passou a ser identificado para junho, depois julho e então agosto.
Hoje, com mais de 2.423.798 infectados, e a curva de contaminação ainda em ascensão em muitos estados, a previsão do declínio do número de infectados parece cada vez mais difícil de ser indicada. Mas, por que afinal, tem sido tão difícil calcular o fim da epidemia no Brasil?
Apesar de ter sido um país que reagiu rápido no começo da pandemia, sancionando lei com medidas restritivas já em fevereiro deste ano, a falta de coordenação foi uma das marcas do governo federal no enfrentamento ao vírus. Para Arthur Chioro, médico sanitarista e ex-ministro da Saúde, ações tomadas pelo presidente, ao negar as orientações científicas, atacar outros poderes e incentivar a desinformação, são dos maiores obstáculos para o monitoramento do contágio.
“A conjugação de uma crise política, um presidente negacionista, um governo que mantém esse austericídio, mantém a contenção de gastos, que faz confronto com governadores e prefeitos e transformou a pandemia numa batalha campal, quando o mundo inteiro se uniu para enfrentar o problema, nós aqui temos um acirramento da crise política.”
Comparação com outros países
Para o ex-ministro, a pandemia já poderia estar controlada no Brasil. Ele relembra das orientações da OMS que garantiram o controle do vírus em muitos países com cerca de 50 dias de quarentena.
“As orientações que os países que saíram da pandemia seguiram foi: coordenação nacional, informação transparente segura, isolamento social, alta capacidade de testagens. busca ativa de casos, garantia de proteção para os trabalhadores da saúde. Eu diria que são os elementos essenciais que a experiência internacional apresenta”, afirma.
Para Marcos Boulos, médico infectologista, mais do que as características do vírus, o fato tem a ver com a falta de condições sociais de grande parte da população para fazer o isolamento. “O isolamento social em nosso país é muito diferente do isolamento na Europa ou na Ásia porque nós temos rincões de pobreza muito grandes, em áreas que as pessoas nem casa tem. Então como pode fazer isolamento se as pessoas nem tem casa para ficar?”.
Mesmo com atraso no início da aplicação de medidas restritivas e resistência de várias regiões, a Itália levou cerca de dois meses para conter a disseminação do vírus. Hoje o país possui uma média de 200 novos infectados por dia, e o Ministério da Saúde italiano anunciou que considera a pandemia controlada.
A necessidade de trabalhar diariamente para manter o sustento básico também é condição de grande parte dos brasileiros, o que impede a continuidade do isolamento durante muito tempo. “Muitas pessoas trabalham de dia para comer a noite, então, se não houver uma reposição adequada de recursos para eles através do governo, eles não tem como ficar isolados. Essas oscilações fazem com que as previsões acabem falhando frequentemente”, afirma o especialista.
Segundo Boulos, outro fator que leva à imprecisão nas estimativas são as decisões políticas equivocadas em relação à pandemia. Como exemplo, o médico infectologista cita a reabertura do comércio no momento em que o contágio pelo vírus está em crescimento. “É um equívoco flexibilizar a abertura da vida normal, do comércio, das escolas, enquanto você está aumentando o número de casos. É como você colocar lenha na fogueira, se tá aumentando e você põe mais lenha, isso vai aumentar muito. Nós tivemos esse erro na abertura do comércio no estado de São Paulo”, ressalta.
Estudos ignorados
No começo de março, um estudo realizado pela renomada universidade Imperial College de Londres, Inglaterra, criou projeções de 14 diferentes cenários epidemiológicos para o Brasil. Segundo a pesquisa, o país, seguindo tais recomendações, teria cerca de 44 mil óbitos durante a pandemia, se houvesse esforço para manter a quarentena da maior parte da população.
“Seria inexorável a gente ter essa quantidade de óbitos, 44 mil. Mas se você pensar que nós já estamos em 83 mil e até outubro os novos indicativos dizem que vamos chegar a 120 mil óbitos, nós estamos tendo 7 mil óbitos por semana, há 11 semanas. Isso não é normal. Em todo mundo, em 50 dias, caiu. Aqui continua subindo e as mortes estabilizaram em um patamar absurdo. Nós temos 2,3% da população mundial, estamos com mais de 25% de mortes do mundo. “
Novas intervenções
Sobre possíveis novos cenários, os especialistas não arriscam previsões otimistas, principalmente considerando a decisão de reabertura das escolas para setembro.“O que eu mais temo é a reabertura da escola. Quando abrir nós vamos ter uma taxa de mais de 3 milhões de pessoas entrando na vida, no coletivo, pessoas que estavam isoladas. Então é possível que possamos ter um reaquecimento da epidemia.” conclui Boulos.
*Brasil de Fato/Leandro Melito
(Foto: Legado Lima)