Rachel Carson, uma bióloga e conservacionista americana, causou comoção em seu país ao publicar o livro Primavera Silenciosa em 1962. Ela começa convidando a imaginar uma cidade em que os pássaros sumiram, vítimas do uso excessivo de compostos químicos como agrotóxicos. Sua frase enigmática foi: “O ser humano é parte da natureza, e sua guerra contra a natureza é inevitavelmente uma guerra contra si mesmo”.

Carson não era contra a aplicação seletiva de agrotóxicos e inseticidas, mas era contra seu uso indiscriminado, muito comum em uma época onde as pessoas tinham uma fé cega no poder da ciência. O livro de R. Carson foi o início do movimento ambientalista nos EUA e posteriormente em outras partes do mundo. Na época de Carson havia cerca de 30 mi; atualmente existem cerca de 350 mil compostos químicos produzidos pela indústria. Hoje se geram mais de 250 bilhões toneladas de substâncias químicas por ano, considerado uma avalanche tóxica que está prejudicando as pessoas e a vida no planeta. Como menciona Julian Cribb: ‘a Terra e toda a vida nela estão sendo saturadas com substâncias químicas em um evento sem precedentes em toda a história do planeta’.

Sessenta e dois anos depois da publicação de Primavera Silenciosa, quão preocupante é a atual proliferação de compostos químicos? Para muitos estudiosos, a humanidade enfrenta uma ‘policrises’ ou “crise permanente” (Permacrise) onde temos: (i) a aniquilação da biodiversidade; (ii) a emergência climática; (iii) os níveis pandêmicos de adoecimento (físico e mental) e de mortes prematuras causada pela poluição químico-industrial; e (iv) os níveis aberrantes e crescentes de desigualdade, causa maior do agravamento dos três primeiros.

Os humanos estão desestabilizando a biosfera global extraindo cada vez mais recursos do meio ambiente, e despejando nele quantidades enormes de lixo e veneno, mudando a composição do solo, da água e da atmosfera. Se continuarmos no curso atual, isso não apenas causará a aniquilação de uma grande parte de todas as formas de vida como poderia também afetar fortemente os fundamentos da civilização humana.

Quando falamos de compostos ou contaminantes químicos devemos focar a atenção nos ‘compostos persistentes’, aquelas moléculas quimicamente muito estáveis. No meio ambiente não há muitas reações que conseguem degradá-las seja pela ação de micro-organismos ou de organismos superiores. Esses compostos se dissolvem mais em matéria orgânica do que em água apresentando tendência de se acumular em organismos vivos, a bioacumulação. Toda vez que um organismo bebe ou come algo que desses compostos, ele os acumula e não os excreta, porque nosso sistema de excreção mais normal é a urina.

A ciência comprovou que, na medida em que vamos subindo na cadeia alimentar, os organismos superiores acumulam esses compostos persistentes cada vez mais quando consume coisas que também continham esses compostos. Isso é o que é chamado de biomagnificação. Mamíferos marinhos como focas, baleias, acumulam mais [compostos] do que peixes. E os peixes que são predadores de outros peixes acumulam mais do que peixes que comem algas e zoo plâncton.

Dentre estes compostos persistentes temos o Dicloro-Difenil-Tricloroetano (DDT), considerado o primeiro pesticida moderno, mas seu uso foi banido décadas atrás pelos danos que causa ao meio ambiente e representar risco à saúde humana. Temos também um outro composto persistente que é o mercúrio, muito preocupante porque contamina a água e dai se acumulando em organismos. O mercúrio é usado nas florestas da América e da África por pessoas que se dedicam a procurar ouro, e que são normalmente pessoas muito pobres com técnicas muito primitivas. Na mineração ilegal, o mercúrio adere ao ouro formando um amálgama. Em seguida, é aquecido para que o mercúrio evapore e o ouro permaneça. Uma delas é amalgamar ouro com mercúrio. O mercúrio é um neurotóxico afetando também o fígado, os rins; leva a deformidades nas crianças quando as mães grávidas são expostas. Esses efeitos já foram perfeitamente documentados.

Outra substância preocupante nos últimos anos refere-se aos microplásticos, aquelas partículas de plástico que são sólidas e insolúveis em água de cinco milímetros ou menores. O plástico é uma invenção que nos ajuda no cotidiano, é inerte e a priori parece que não tem nenhum efeito negativo. O grave problema está no manejo incorreto após de seu uso. Hoje existe muita pesquisa tentando entender os efeitos dos microplásticos na saúde humana e no meio ambiente. Concomitantemente é preciso organizar e tratar adequadamente os resíduos para retirar plástico do meio ambiente.

De aí que para muitos especialistas “estamos participando de uma experiência química global” porque estamos jogando muitos compostos no meio ambiente e alguns deles podem afetar os ecossistemas. Resumidamente, acreditar que podemos ter uma saúde perfeita quando estamos cercados por água poluída, ar poluído e solo ou alimentos contaminados parece ser mais uma tolice. O exemplo mais emblemático podemos ver nos pesticidas usados na agricultura, que em pequenas doses vão acumulando-se e podem causar problemas sérios de saúde como o câncer no longo prazo.

 

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Luiz Marques, no seu livro ‘Decênio decisivo’ (2023) Editora Elefante.

Alejandra Martins, BBC News Mundo (17/10/2022), reportagem disponível em:  https://www.bbc.com/portuguese/geral-63255592