A Lei Maria da Penha, considerada um marco na defesa dos direitos das mulheres, completa 18 anos nesta quarta-feira (7).
Apesar dos avanços na legislação, reconhecidos por especialistas, a opressão às mulheres ainda é um dos principais problemas sociais do país. A violência contra a mulher — na contramão de outros tipos de violência na sociedade — só vem aumentando.
- 🔍 A Lei Maria da Penha, sancionada em 2006, tem como objetivo combater a violência doméstica e familiar contra a mulher no Brasil. Ela é nomeada em homenagem à farmacêutica Maria da Penha, que sofreu tentativa de homicídio por parte de seu marido. A lei estabelece medidas para proteger as vítimas, como a criação de juizados especiais de violência doméstica, a concessão de medidas protetivas de urgência e a garantia de assistência às vítimas.
Na maioridade da Lei Maria da Penha, o g1 ouviu técnicos do governo e especialistas para buscar entender as razões pelas quais o país trata tão mal suas mulheres.
Aumento nas denúncias
Para começar a entender o cenário, estatísticas oficiais mostram que o Ligue 180, serviço do governo federal para captar denúncias de violência contra a mulher, vem registrando aumento de ocorrências ano após ano.
- Em 2021, foram 82.872 denúncias.
- Em 2022, foram 87.794 denúncias.
- Em 2023, foram 114.848 denúncias.
No primeiro semestre de 2024, também já pode ser verificado um crescimento nos números em relação ao mesmo período do ano passado, segundo o Ministério das Mulheres. Os números ainda serão consolidados.
Além disso, dados divulgados em julho no 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mostraram números preocupantes em relação à violência contra a mulher.
Em 2023, o número de estupros no país cresceu 6,5% em relação ao ano anterior. Ao todo, foram 83.988 casos registrados, o que representa um estupro a cada 6 minutos no Brasil.
O número representa o maior número da série histórica, que começou em 2011, e as maiores vítimas do crime no país são meninas negras de até 13 anos.
Os dados crescem na contramão de outros índices de violência, como o de mortes violentas intencionais, que caiu em 2023.
Machismo e misoginia
Para especialistas, um dos principais fatores para o aumento da violência contra mulher são a mistura de machismo e misoginia — discurso de ódio e repulsa às mulheres e a tudo relacionado ao universo feminino.
“Eu acho que a violência vem aumentando porque na realidade a gente ainda não conseguiu chegar na origem da questão, que é o Brasil ainda ser um país extremamente machista e misógino”, afirmou a advogada especialista em questões de gênero Maíra Recchia.
Desconhecimento dos direitos
A ministra da Mulher, Cida Gonçalves, atribui o crescimento da violência contra a mulher a esses fatores e também a um desconhecimento de direitos. A Lei Maria da Penha, segundo ela, não chega a todos os cantos do país.
“Nós estamos vivendo um momento de misoginia, de muito ódio. Nós estamos em um momento de polarização no Brasil, coisa que nunca existiu. E, portanto, isso é um fator que vai terminar indo para dentro de casa, seja de uma forma ou de outra.[…] O segundo fator é que a lei está completando 18 anos, mas nós não conseguimos implementá-la no Brasil inteiro”, disse a ministra em entrevista ao g1.
Um levantamento feito pelo Observatório da Mulher contra a Violência, divulgado no início deste ano, revelou que oito em cada dez mulheres se consideram mal informadas a respeito da Lei Maria da Penha.
Na tentativa de ampliar o combate à violência contra a mulher, o Ministério da Mulher lançou o novo 180. O serviço tentará ser mais célere e com maior integração com órgãos de polícia.
“Então agora nós temos as atendentes qualificadas constantemente, capacitadas para fazer esse atendimento. A gente tem uma equipe que vai tratar as denúncias que são registradas de uma forma mais célere e com os requisitos mínimos para a gente poder encaminhar para todos os órgãos de apuração”, afirmou Ellen Costa, coordenadora-geral do Ligue 180.
Violência ‘persistente e endêmica’
A promotora de Justiça do Ministério Público de São Paulo Silvia Chakian pontua que a Lei trouxe para o debate público uma forma de violência que ficou oculta durante anos.
“É possível dizer que a violência contra as mulheres é persistente, endêmica, com índices alarmantes no Brasil e no mundo, que ficou oculta entre quatro paredes por décadas, até o advento da Lei”, afirmou a promotora de Justiça do Ministério Público de São Paulo, Silvia Chakian.
“Durante muito tempo a violência doméstica no Brasil foi tratada como problema privado, familiar, e não uma questão de Estado […] Portanto, é imensa a contribuição da lei [Maria da Penha], quando quebra a tradição de tolerância e omissão do Estado, da sociedade e da própria Justiça no trato desse tipo de violência”, completou.
Ao longo dos anos a lei foi passando por atualizações. Em 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou mudanças para garantir que medidas protetivas de urgência fossem concedidas no momento em que a mulher fizesse a denúncia a uma autoridade policial.
A alteração busca reduzir um problema quando o assunto é violência contra mulher: o medo de denunciar.
“Eu acho que as mulheres estão denunciando mais, eu acho que elas estão mais fortalecidas, acho que sim, existe um aumento da violência, mas os índices ainda são muito abaixo do que de fato acontece, muitas não denunciam”, disse a advogada Maíra.
A redução da desigualdade de gênero e a necessidade de ampliar o debate em torno do tema são apontados por especialistas como as principais medidas para solucionar o problema a longo prazo.
“O que é importante? Que a gente também faça a reeducação dos agressores, por qual razão? Se a gente apenas afasta aquele agressor daquele núcleo familiar, quando a gente está falando de violência doméstica, via de regra ele vai reproduzir esse comportamento agressivo com outras pessoas, então, com outros núcleos […] Isso é fundamental para que a gente consiga avançar e diminuir esses índices absurdos de violência contra a mulher”, disse a advogada Maíra.
“Se a violência contra a mulher é um fenômeno social, que impacta milhares de meninas e mulheres no nosso país, não há mais como conceber qualquer tipo de alienação masculina. Como se diz popularmente, aquele que é parte do problema, exige-se que também seja parte da solução”, afirmou a promotora Silvia.