
Justiça do Trabalho obriga frigorífico de Seberi a avaliar riscos psicossociais relacionados ao trabalho
A Justiça do Trabalho concedeu liminar determinando que a JBS/Seara implemente ações imediatas para prevenir riscos psicossociais na planta frigorífica de Seberi (RS). A decisão, proferida pela Vara do Trabalho de Frederico Westphalen, atende a pedido do Ministério Público do Trabalho (MPT) em Ação Civil Pública (ACP) ajuizada após inspeção realizada em junho deste ano.
Segundo a decisão da magistrada titular Fabiana Martins, a ausência de gestão adequada desses riscos viola o direito fundamental à saúde e segurança no trabalho e tem gerado um cenário alarmante de adoecimento mental. A empresa deverá reconhecer os riscos psicossociais nos seus programas de saúde e segurança (Programa de Gerenciamento de Riscos, PGR e Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional, PCMSO), avaliar fatores que afetam a saúde mental dos trabalhadores e adotar medidas concretas para reduzir esses impactos. Entre as obrigações impostas estão a criação de canais de denúncia, vigilância ativa sobre ergonomia cognitiva, participação dos empregados no processo e registro detalhado das ações. O descumprimento pode gerar multa diária de R$ 50 mil por obrigação e R$ 2 mil por trabalhador prejudicado.
Segundo o MPT, frigoríficos apresentam fatores de risco psicossocial como jornadas exaustivas, ritmo intenso, isolamento social, alta repetitividade e ambiente físico adverso, que contribuem para o aumento de casos de ansiedade, depressão e estresse. A planta de Seberi, alvo da ação, emprega cerca de 2 mil funcionários trabalhando em condições de desgaste intenso: a unidade abate 5,6 mil suínos e produz 530 toneladas de produtos por dia. Embora a empresa mantivesse PGR e PCMSO, os planos não reconheciam nem abordavam os aspectos psicossociais entre os riscos oriundos da atividade no frigorífico.
Os dados apresentados pelo MPT são contundentes: entre 2019 e 2025, na unidade de Seberi, foram registrados 581 atestados médicos por transtornos mentais e comportamentais, sendo 233 por ansiedade generalizada e 55 por transtorno de pânico. Setores como Desossa e Abate concentram os maiores índices: só na linha do pernil, 55% dos trabalhadores apresentaram atestados por problemas psicológicos. Além disso, 88 benefícios previdenciários foram concedidos por transtornos mentais entre 2020 e 2025, cinco deles na modalidade acidentária, sem que a empresa emitisse qualquer Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT). O custo para a Previdência Social ultrapassou R$ 675 mil, com mais de 13 mil dias de trabalho perdidos.
Conjunto de ACPs
A ação, ajuizada pelas procuradoras do Trabalho Priscila Dibi Schvarcz e Amanda Bessa Figueiredo e pelos procuradores Alexandre Marin Ragagnin e Pedro Guimarães Vieira, integra um conjunto de processos movidos pelo MPT contra a JBS/Seara após inspeção realizada em junho comprovar diversas irregularidades. Logo na sequência da ação fiscal, a empresa assinou um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) emergencial cobrindo as situações que ofereciam riscos mais graves e iminentes à integridade física dos trabalhadores.
Uma proposta de TAC mais abrangente, contemplando todas as irregularidades encontradas, foi apresentada à JBS/Seara, que recusou o acordo. Em consequência, o MPT apresentou uma série de ACPs para disciplinar diferentes conjuntos de violações. Essas ações já obtiveram liminares (algumas delas confirmadas pela rejeição de Mandados de Segurança impetrados pela JBS) promovendo garantias como: proteção contra ruído excessivo a gestantes, com realocação imediata de trabalhadoras expostas acima de 80 dB; privacidade nos vestiários, exigindo cabines/divisórias para troca de uniformes; regularização do prêmio assiduidade, vedando exclusão do benefício por faltas legalmente justificadas; garantia do direito à amamentação às trabalhadoras lactantes, com a obrigação de disponibilizar para o aleitamento local apropriado, e em horários compatíveis com a jornada; mudanças no sistema de recebimento de atestados médicos, dentre outras.
Normas
O direito ao trabalho seguro e saudável foi elevado a princípio fundamental pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 2022, incluindo expressamente a proteção da saúde mental. Convenções como a nº 155, ratificada pelo Brasil, e a nº 187, que estabelece sistemas de gestão de segurança e saúde, exigem políticas que adaptem as condições de trabalho às capacidades físicas e mentais dos trabalhadores. A Convenção 190, por sua vez, trata da eliminação da violência e do assédio no mundo do trabalho, incluindo riscos psicossociais.
A Constituição Federal também assegura, no seu artigo 7º, a redução dos riscos inerentes ao trabalho, sem restringir sua natureza. O Ministério do Trabalho e Emprego, na recente portaria nº 1.419/2024, alterou a Norma Regulamentadora nº 1 (NR-01) para incluir expressamente fatores de risco psicossociais no gerenciamento de riscos ocupacionais, exigindo sua identificação, avaliação e prevenção. A Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho (LDRT), atualizada pelo Ministério da Saúde em 2023, também reconhece os riscos psicossociais como causas de adoecimento laboral.
Para o MPT, a decisão judicial reafirma que a gestão desses riscos não é opcional, mas um dever legal e constitucional.