Fila do SUS tem 670 mil pedidos de consulta no RS; situação pode agravar quadro de pacientes

As filas de consultas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) da Secretaria Estadual da Saúde no RS e da prefeitura de Porto Alegre acumulam, juntas, 670.721 pedidos.

Só no estado, 2.434 pessoas morreram entre 2023 e 2024 enquanto aguardavam atendimento, segundo dados obtidos pelo Grupo de Investigação da RBS (GDI) via Lei de Acesso à Informação (LAI).

Os números informados pelo governo do estado apontam que existiam, até 18 de dezembro de 2024, 473.785 solicitações de pessoas à espera na fila do SUS. As especialidades com maior demanda são oftalmologiaortopediaotorrinolaringologiareabilitação cirurgia geral.

O governo do estado não informou o número de pacientes por especialidade e nem aqueles com mais tempo de espera, conforme o solicitado.

A secretária adjunta da Saúde, Ana Costa, pondera que, na lista de mortos, não é possível identificar se os óbitos têm relação com o atendimento que essas pessoas buscavam, mas que o estado “se preocupa” com cada um.

“A gente, claro, teria que ver cada um dos casos porque, às vezes, a pessoa aguarda um atendimento, mas o óbito não tem essa correlação direta. Infelizmente, a gente tem perdas, como tem em todas as áreas, e o estado sempre se preocupa com cada uma delas”, afirma Ana. Leia mais abaixo sobre as filas na saúde municipal.

 

“O rico tem como pagar. O pobre, não”

Entre os que acabaram morrendo sem o procedimento que esperavam ter sido realizado está uma jovem de 22 anos, de Sapiranga, na Região Metropolitana de Porto Alegre. Ela perdeu a vida na véspera de Natal. Jhenyfer Gabriela do Amaral, que também sofria de depressão e epilepsia, sentiu fortes dores no abdômen e foi levada pelos pais à Unidade Básica de Saúde (UBS), onde foi medicada e liberada – morreu duas horas depois de chegar em casa.

 

A jovem estava na fila por uma cirurgia na vesícula desde setembro do ano passado.

“O rico tem como pagar um plano de saúde, uma cirurgia. O pobre não tem, espera pelo SUS. Eu, se tivesse condições, não teria levado minha filha aquele dia à noite para a UPA”, lamenta o pai, Jandir Gomes Amaral, auxiliar de frigorífico.

A prefeitura da cidade abriu sindicância para apurar o atendimento na UPA e afirmou, em nota, que “em 2024, o percentual do orçamento municipal destinado para a área chegou a 29%, sendo que a lei prevê 15% do orçamento” para o setor.

“A gente está morrendo”

Em Esteio, o GDI localizou uma empresária que teme enquanto aguarda atendimento. Kelly Priscila Maciel Oliveira espera há 8 anos por uma consulta para iniciar um tratamento bariátrico.

“A gente está morrendo. Então, quando a gente está morrendo, o que que acontece? A gente vai morrer. Se eu não tiver tratamento, eu vou morrer. E eu acho isso um pecado, porque tenho um filho de 13 anos, tenho uma filha de 5 anos que precisam de mim”, resigna-se, aos prantos.

Efeito cascata

Em Porto Alegre, os dados da fila do SUS são públicos. No site da prefeitura, é possível obter a informação que há mais de 196.936 pedidos por consulta e outros 152.883 mil por um exame.

O secretário municipal da Saúde, Fernando Ritter, afirma que a prioridade é reduzir o tempo de espera na fila de especialidades. “Para isso, nós vamos criar um programa permanente de oferta de consultas especializadas, maior do que a gente tem hoje”, diz.

A espera demasiada pelo atendimento, que causa também sofrimento aos pacientes, onera ainda mais o poder público. Isso acontece porque, quando finalmente são assistidas, o quadro de saúde pode ter se agravado e elas podem ficar por mais tempo internadas, e ainda adquirir outras doenças. É o caso da merendeira de Porto Alegre Ivone Fraga da Silva que, em 21 de janeiro, vai completar três anos de espera.

Além de necessitar de cirurgia bariátrica, ela agora também vai ter de tratar joelhos e coluna.

 

“Sinto muitas dores, dor na coluna, meu joelho, estou com artrose nos dois joelhos, estou esperando prótese e minha vida só piora. Geralmente estou na cama. Não consigo trabalhar, estou encostada”, declara Ivone.

 

O Presidente do Conselho Regional de Medicina, Eduardo Trindade, confirma esse efeito cascata.

“Se não tratada (a doença original), o paciente pode vir a ter um AVC, um infarto agudo miocárdio, problemas ortopédicos mais variados, como problema de quadril e de joelho”, alerta Eduardo.

Após 800 dias de espera, de volta à fila

Em dezembro passado, a cuidadora de idosos Soeli Soares Lopes, que mora em Eldorado do Sul, na Região Metropolitana de Porto Alegre, foi atendida após mais de 800 dias esperando por uma consulta para ortopedista. O objetivo seria tratar uma inflamação no quadril. Enquanto era atendida pelo especialista, porém, ela descobriu outro problema, agora na coluna, e terá que entrar na fila novamente.

“O desespero é muito grande. Porque tu não sabe nem aonde recorrer mais. Não tem onde mais recorrer. Foi muito desesperador. Nossa, isso me tirou o chão”, lamenta.

O que diz o poder público

A Secretaria Estadual da Saúde diz que tem adotado medidas para reduzir as filas, como a abertura de novas frentes de atendimento em cidades como Santa Maria e Viamão.

“O que a gente procura é fortalecer nossa rede de assistência para cada vez mais dar acesso. E uma outra coisa que está se fazendo é a qualificação das filas, um convênio recentemente assinado com o telessaúde para ampliação, onde a gente vai conseguir olhar para essas filas profundamente e tentar garantir que na qualidade da informação que o profissional coloca dentro do sistema, isso também a gente a gente tá fazendo capacitações em toda a rede pra garantir que a informação que está no sistema também permita ao regulador qualificar melhor isso e colocar o paciente certo no lugar certo”, assegura Ana Costa, secretária-adjunta da pasta.

Por sua vez, o Ministério da Saúde diz que trabalha continuamente para “para a redução de filas em cirurgias e procedimentos realizados pelo SUS”.

Fonte: g1 RS

Foto: RBS TV