Em um cenário de recordes de óbitos por conta da Covid-19, tanto no Brasil, quanto no Rio Grande do Sul, especialistas discutem quais teriam sido os fatores que colaboraram para que tivéssemos o contexto da pandemia agravado um ano após o registro dos primeiros casos. O mês de março de 2021 já é o mais letal no território gaúcho. Pelo menos 17,76% de todas as mortes provocadas pelo novo coronavírus ocorreram entre os dias 1º e 16 deste mês. Apesar disso, há possibilidade de flexibilização de atividades comerciais já para a próxima semana.
Para o professor de Epidemiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Paulo Petry, os números indicam uma tragédia sem precedentes. “É uma coisa absurda, estamos chegando a recordes diários, aumento de internações, mortes e o País indo para uma média de três mil óbitos por dia, no Rio Grande do Sul passamos de 500, são números alarmantes, sem dúvida”, frisou.
Conforme Petry, o momento é ainda mais preocupante por conta do colapso na rede de atendimento. “Considerando que nosso sistema de saúde está colapsado, já podemos usar esse termo, infelizmente, não há mais vaga e o que se observa é que as pessoas estão demorando mais para conseguir leito e, com isso, o quadro de saúde agrava, então estamos com uma mortalidade crescente também em função disso”, declarou.
Petry ainda enfatizou que o maior erro, no momento, é a falta de vacinas. “Tem sido cruel, temos hoje uma vacinação em um ritmo muito lento. Claro que não é só o Brasil, muitos países até mesmo da Europa estão com a vacinação lenta, mas as vacinas são a nossa saída. Temos o exemplo de países como Israel, especialmente, que já vacinou grande parte da população e apresenta reduções de até 90% em internações de idosos e, quando reduz internação, também reduz a mortalidade”, detalhou.
Negacionismo e aglomerações
A demora da vacinação não foi o único fator que provocou o quadro grave da pandemia. “Depois entre outros fatores, tivemos ainda muitas pessoas negando a circulação do vírus, fazendo festas clandestinas e aglomerações, vale ressaltar que aglomeração não é somente reunir centenas de pessoas, poucas pessoas de diferentes núcleos familiares já configuram uma aglomeração em termos epidemiológicos, de transmissão de vírus”, ressaltou.
Especialmente no Rio Grande do Sul, assinalou Petry, foi registrado um fenômeno “muito gaúcho” que são as aglomerações nas praias e também as festas de carnaval, ainda que estivessem teoricamente proibidas. “As pessoas de diferentes regiões do Estado se aglomeram no litoral e, ao voltarem para suas casas, houve de novo um espalhamento do vírus praticamente uniforme no Estado inteiro, o que faz com que não tenhamos oportunidade nem mesmo de remanejamento dos pacientes, pois todos as localidades registram superlotação dos hospitais. Estamos vendo um reflexo do veraneio e das festas de carnaval”, pontuou.
É fato, segundo Petry, que um ano após o registro do início oficial da pandemia e dos primeiros casos, o território gaúcho está vivendo “um colapso”. “Não temos leitos, podemos logo não ter insumos, corremos risco de faltar oxigênio, temos um hospital de campanha que deve começar a funcionar, mas falta equipe, então é todo um cenário alarmante”, define. Uma coisa é certa, de acordo com Petry: quanto mais tempo um vírus circula, maior é a probabilidade de ele sofrer mutações. “Por não termos vacinado um quantitativo adequado, estamos perpetuando o vírus. Ninguém esperava que um ano depois a situação fosse pior. O vírus está aí há bastante tempo e a chance de novas linhagens aparecerem é cada vez maior e isso causa um temor muito grande na comunidade científica, que é a própria vacina perder efeito”, afirmou.
As novas variantes
Petry destacou ainda que o surgimento das novas variantes também preocupa pelo aumento da transmissibilidade do vírus e da maior agressividade do quadro de saúde dos pacientes com Covid-19. Além disso, enfatizou que é preciso, menos após um ano de pandemia, reforçar a importância dos cuidados preventivos como uso correto da máscara, higienização frequente das mãos e isolamento social. “Com a circulação de pessoas em alta e a vacina em baixa velocidade, estamos fazendo tudo errado”, definiu.
Ainda no entendimento de Petry, esse não seria o momento adequado para qualquer tipo de flexibilização das atividades econômicas. Ele ainda frisou que o Rio Grande do Sul nunca fez algo parecido com um lockdown prolongado. “Sempre foram ações muito curtas e em momentos de crise, nunca foi algo preventivo. Agora a rede colapsou e é bandeira preta em todo o Estado, mas isso devia ter sido feito antes e com maior tempo de duração, porque o que nós precisamos é bloquear a circulação do vírus e isso só vamos conseguir quando as pessoas estiverem imunizadas ou se elas ficarem em casa”, disse, complementando que enquanto o quantitativo das vacinas não estiver aumentando consideravelmente e não houver redução “desse verdadeiro caos nos hospitais”, não tem como flexibilizar.
*Correio do Povo