Estão circulando pelas redes sociais falsas alegações sobre haver segurança ambiental no projeto de cultivo de tilápias no Lago de Itaipu, em Foz do Iguaçu (PR), na fronteira entre Brasil e Paraguai.
O procedimento é assunto frequente nas tradicionais lives do presidente Jair Bolsonaro (PL). Desde janeiro de 2021, essa ideia foi citada pelo chefe do Executivo em pelo menos dez transmissões ao vivo realizadas semanalmente em suas redes sociais.
O plano do governo é transformar as represas de 73 hidrelétricas do País em grandes criadouros artificiais de peixe, a maioria deles para tilápia. A ideia consiste em lançar gaiolas em trechos dos reservatórios, estruturas conhecidas como “tanque-rede”, que ficam amarradas em boias. Dentro desses caixotes submersos, o peixe é criado desde a sua fase inicial de alevino até o momento de abate.
Esses tanques-redes, são estruturas flutuantes que acomodam alta densidade de peixes. De acordo com o doutor em zoologia e pesquisador Mario Orsi, coordenador do Laboratório de Ecologia de Peixes e Invasões Biológicas da Universidade Estadual de Londrina (UEL), entrevistado pela Agência Lupa, esses sistemas “são ineficazes contra escape”. Ele explica que o ponto mais preocupante é elas escaparem para o ambiente, pois podem se tornar invasoras e alterar todo o ecossistema.
A tilápia, ou Tilápia do Nilo, é originária da África e do Oriente Médio e foi introduzida no país nos anos 1970. Não só no Brasil, mas em todo o mundo, essa espécie passou a ser produzida em tanques por ser de cultivo fácil, com bom índice de reprodução e crescimento rápido. Embora exista um entendimento unânime em relação à relevância econômica e para nutrição humana desse peixe, a criação da tilápia em espaços não protegidos, ou seja, fora de tanques artificiais controlados, poderia provocar mudanças negativas irreversíveis, ao ponto de extinguir espécies naturais.
Por isso, a ideia é fortemente combatida por ambientalistas. De acordo com pesquisadores, as tilápias têm um potencial zootécnico incrível, mas devem ser criadas em sistema fechado. Essa espécie é considerada uma engenheira: é muito hábil para ocupar ambientes. Ela altera o espaço que ocupa e muda, por exemplo, a transparência e a qualidade da água, o que faz com que outras espécies não consigam competir, e morrem por falta de recursos.
Segundo o pesquisador do tema há 45 anos, Miguel Petrelli Júnior, professor do Núcleo de Ecologia Aquática e Pesca da Universidade Federal do Pará, entrevistado pela IstoÉ, “os produtores colocam essas gaiolas nos braços do reservatório, que são as partes mais sensíveis. Com os dejetos do peixe, aumenta o volume de material orgânico, ampliando a formação de algas, roubando o oxigênio dos demais. Há clara deterioração do espaço ocupado”. Nesse contexto, a produção também traria consequência para os rios que formam esses reservatórios.
Apesar dos diversos estudos sobre os riscos ao meio ambiente, o presidente Jair Bolsonaro repete a desinformação de que há segurança ambiental para a criação da tilápia em Itaipu. A live do dia 31 de março deste ano, também teve a participação do Secretário de Aquicultura e Pesca, Jorge Seif, que zombou ambientalistas, dizendo que eles “pregam a tilápia como se ela fosse um tubarão”.
Na mesma época, o ex-secretário da Pesca, Jorge Seif Júnior, disse que já havia sido comprovado que a tilápia não era uma ameaça às espécies nativas, e que o único e grande desafio era convencer o parlamento paraguaio de que não existe perigo, mas sim uma oportunidade de cultivo. Até o momento, no entanto, o cultivo de tilápias no reservatório de Itaipu segue sem permissão pela legislação do Paraguai.
Segundo a pesquisadora Michele de Sá Dechoum, professora do Departamento de Ecologia e Zoologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), também entrevistada pela Agência Lupa, embora incentivar o consumo de outras carnes além da bovina seja interessante e, inclusive, uma boa opção econômica, o cultivo de tilápia fora de tanques, como é o plano do governo federal, não leva em consideração o impacto econômico das chamadas externalidades.
Em um sistema fechado para criação de peixes, que é o indicado no caso de espécies exóticas como a tilápia, são escavados tanques e pensadas estruturas para contenção e qualidade da água. Os dejetos então são filtrados antes de ir para o manancial, ou seja, existe um planejamento profissional de criação intensiva, como acontece com as aves e os suínos.
O lago de Itaipu é um lago na fronteira Brasil-Paraguai formado artificialmente, em 1982, no rio Paraná, com o fechamento das comportas do canal de desvio da Usina Hidrelétrica de Itaipu. Compreende uma área de 1.350 km², sendo 770 km2 no lado brasileiro e 580 km2 do lado paraguaio.
O aproveitamento do lago poderia ser realizado com a criação de espécies como pacu e piapara, naturais do rio Paraguai. Essa é uma alternativa dada, inclusive, por especialistas. O pesquisador Mario Orsi salienta que os profissionais não são contra a criação de peixes, mas sim “contra a forma como é feita”. Ele explica que “o pacu e piapara não aceitam alta densidade, então se consegue controlar a quantidade de ração. São espécies mais exigentes, mas que têm valor agregado maior. Quem investe em espécie nativa se dá muito bem”.
A administração da Itaipu Nacional, inclusive, já tem um projeto de apoio ao desenvolvimento sustentável da piscicultura, chamado “Produção de Peixes em Nossas Águas”, que incentiva o cultivo de espécies nativas.
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