Atualmente no Rio Grande do Sul, as entidades do movimento negro estão propondo um debate público sobre o papel dos monumentos e da nomeação de ruas e avenidas de figuras que foram escravocratas ou apoiadoras dos processos de escravização no Brasil. Esse questionamento de homenagens a personalidades históricas que contribuíram para a exploração e morte de populações negras e indígenas já vem adquirindo espaço no cenário mundial.
Mobilizações
42 entidades mobilizadas vão resultar em uma audiência pública na Assembleia Legislativa, proposta pela deputada Luciana Genro (PSOL) e aprovada nesta semana pelo parlamento estadual.
A proposta de discutir publicamente o tema e repensar os significados dos símbolos históricos surgiu após episódios de contestação em outros locais do mundo. No Brasil, o caso mais emblemático foi o incêndio na base da estátua de Borba Gato, em São Paulo. O protesto simbolizou a contestação da figura de um dos bandeirantes responsáveis pela captura de indígenas e negros no interior do Brasil. O debate proposto pelo movimento negro se soma às iniciativas locais que geraram discussão na última década, como a mudança de nome da avenida Castelo Branco – cuja alteração para avenida da Legalidade e Democracia foi aprovada em 2014 e revogada em 2018.
“Ressignificar é rediscutir a história. A história é uma versão de quem venceu e de quem dominou. Mas é preciso que a gente saiba quem são essas personalidades”, explica o coordenador do movimento Vidas Negras Importam, o sociólogo Gilvandro Antunes.
Em um Estado com um passado marcado pelo imaginário em torno da Revolução Farroupilha, várias homenagens ligadas aos líderes da disputa estão no cerne do debate. Entre elas, homenagens a David Canabarro, por exemplo. Uma das principais lideranças farroupilha, Canabarro era contrário a qualquer possibilidade de abolição ampla da escravatura e é apontado pela historiografia recente como traidor e, ao lado de Duque de Caxias, responsável pelo acordo que culminou na emboscada e massacre do grupamento dos Lanceiros Negros, na Batalha de Porongos.
“Ele era um grande general. Mas para nós, nunca houve um princípio revolucionário entre os farroupilhas, porque se mantinha o escravismo como um dos pilares da organização e da sociedade. Nós temos a necessidade de contar quem eram de fato esses heróis”, explica Bira Toledo, do Instituto de Assessoria às Comunidades Remanescentes de Quilombos.
Entre as propostas que devem ser debatidas pelo movimento estão proposições para alteração de nomes de logradouros, o deslocamento para museus de estátuas e bustos que estão em praças e a colocação de placas explicativas sobre o envolvimento de cada personalidade na exploração de indígenas e negros no Brasil.
“Nós temos dois debates. Temos uma discussão sobre os nomes e as homenagens a essas personalidades. E também um debate sobre a sub-representação de pessoas negras em nomes de ruas e em homenagens públicas”, comenta Antunes.
Reflexão
O processo de discussão dos símbolos aponta para a necessidade de reflexão sobre períodos que deixaram um legado na sociedade. “É um questionamento da visão colonizadora de figuras que representam a opressão, a escravização, o genocídio”, explica Toledo.
Cristiane Johann da Associação dos Defensores Públicos do Estado do Rio Grande do Sul e integrante do Conselho Estadual dos Direitos Humanos afirma que as entidades têm referendado a discussão, baseada especialmente nos princípios constitucionais de garantia de direitos e na necessidade de reparação histórica à populações negras e indígenas. “Esse assunto não é importante só para os negros. Ele é importante para toda a sociedade, porque temos que transmitir valores justos e adequados”, afirma.