Por Caroline Schepp, estudante de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Maria, campus Frederico Westphalen

 

É manhã de domingo. Ao acordar já sinto meu coração acelerar só de imaginar que o outro dia será segunda-feira. O cobertor em cima do corpo parece pesar uma tonelada e eu estou imóvel embaixo dele. As mãos e os pés começam a suar e, mesmo que eu saiba que tenho que me levantar, tomar um banho, comer, não consigo, porque o poder dela é maior que a força do meu corpo. 

Você se identifica com essas sensações? Esses são alguns dos sintomas da ansiedade. Márcio Bernik, psiquiatra e coordenador do Programa de Transtornos de Ansiedade do Instituto do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, em reportagem publicada no Jornal da USP (21/03/2023), afirma que a ansiedade, quando não tratada, pode desencadear outros transtornos mentais, como a depressão.

Segundo dados apresentados pela Organização Mundial da Saúde, a OMS, aproximadamente 9,3% dos brasileiros sofrem de ansiedade patológica. Na América Latina, o Brasil é o país com mais prevalência de depressão. 

Esses transtornos podem surgir a partir de múltiplas causas, como a hereditariedade e o desequilíbrio neuroquímico. A exposição a condições estressantes, que podem ser de âmbito social, econômico e cultural, também desempenha um papel importante. Além disso, dificuldades em lidar com emoções, uso de drogas lícitas ou ilícitas e vivência de traumas são fatores que contribuem para o desenvolvimento desses distúrbios. 

De acordo com o pesquisador do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde, Matías Mjeren, os casos de depressão entre jovens de 18 e 24 anos quase dobraram mesmo antes da pandemia. O aumento do transtorno nessa faixa etária cresceu 5,5% entre 2013 e 2019. 

“A prevalência de casos de depressão já havia dobrado antes da pandemia e a situação pode ter se tornado ainda pior com a crise sanitária e econômica iniciada em 2020. A perda do emprego por um dos pais aumenta a probabilidade de jovens serem diagnosticados com algum tipo de transtorno mental”, explica Mjeren. 

Volnei Costa, médico psiquiatra e presidente do conselho científico da Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos, a Abrata, explica que, com a carga tributária elevada e remuneração baixa, os brasileiros precisam trabalhar muito mais para acessar serviços básicos, que frequentemente são de baixa qualidade. Isso acaba sobrecarregando a saúde mental da população, desencadeando transtornos mentais, como depressão e ansiedade. 

Segundo a OMS, as mulheres são mais suscetíveis a ter depressão. Elas apresentam duas vezes mais chances de terem o diagnóstico da doença do que os homens. “Do ponto de vista biológico, os menores níveis de testosterona acabam deixando a mulher mais exposta a doenças. Por outro lado, na questão social e psicológica, a mulher corriqueiramente está em uma posição de maior vulnerabilidade que o homem e acaba ficando com muitas obrigações, o que aumenta as chances delas terem mais diagnósticos do que eles”, explica Volnei Costa. 

A expressão “geração deprimida” vem sendo usada para se referir aos adolescentes, jovens e adultos que nasceram entre os anos de 1985 e 2010. Begoña Albalat Peraita, psicóloga espanhola, em um artigo publicado no site The Conversation, aponta algumas razões para a geração Millennials e Z serem chamadas assim. Entre elas, estão a frustração profissional e econômica, o uso prejudicial das redes sociais e o peso das preocupações globais. 

Como alguém que observa e vive as angústias da “geração deprimida”, não é difícil perceber que os transtornos mentais são mais do que estatísticas alarmantes; são a realidade de muitas pessoas ao nosso redor, que frequentemente fingimos não perceber. Após anos enfrentando uma guerra silenciosa dentro de mim, fui ignorada por minha família, que considerava crises de ansiedade e depressão um exagero, um “auê”. Só fui diagnosticada com ansiedade generalizada e transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) aos 20 anos.

Após alguns meses de terapia, iniciada quando meus pais perceberam que eu realmente precisava de ajuda profissional, minha terapeuta me fez alguns questionamentos e conseguiu identificar os transtornos. Saber o que eu realmente tinha foi um alívio, pois agora eu poderia iniciar um tratamento e buscar a redução dos meus sintomas. No entanto, minha realidade é muito diferente da grande parte da população brasileira que vive em situações de pobreza e não tem condições financeiras de buscar um tratamento de qualidade.

Além das condições socioeconômicas, os estigmas associados às doenças mentais são outra barreira. Estigma vem do grego stígma e significa sinal, tatuagem. Na Grécia Antiga, essa palavra não estava relacionada à doença mental, mas já era associada ao conceito de vergonha, desvalorização e humilhação. Na Idade Média, com a inquisição relacionada às bruxas, além de representar forte misoginia, representava atitude negativa e condenatória em relação aos transtornos mentais. 

No Brasil, o Hospital Psiquiátrico de Barbacena foi uma instituição que ficou marcada como um dos maiores símbolos de abusos e crueldade contra pessoas com doenças mentais. Ele foi inaugurado em 1903 e funcionou até 1980, sendo palco de graves abusos contra pessoas pobres, negras e marginalizadas socialmente. Originalmente, o objetivo era realizar o tratamento de pacientes com transtornos mentais, mas se tornou um depósito de supostas escórias sociais. A maioria dos internos eram alcoólatras, portadores de infecções ou doenças sexualmente transmissíveis, prostitutas, homossexuais, epiléticos, mães solteiras, esposas substituídas por uma amante. Segundo Daniela Arbex, cerca de 60.000 pessoas morreram durante os anos de funcionamento do hospital. 

Os estigmas relacionados às doenças mentais afetam não apenas o paciente, mas também sua família, as instituições psiquiátricas, os profissionais de saúde e até mesmo os tratamentos utilizados. Esses estigmas representam maior obstáculo para a recuperação e reabilitação do paciente, funcionando como um elemento central da discriminação enfrentada por essas pessoas no cotidiano. Como consequência, há uma piora significativa na qualidade de vida e na eficácia do atendimento, prejudicando tanto o bem-estar do paciente quanto a qualidade da assistência recebida.

Apesar de a Constituição Brasileira de 1988 afirmar que a saúde é um direito de todos e que o Estado tem o dever de garanti-la, observamos que isso não ocorre de forma efetiva. Os dados mostram que os transtornos mentais vêm atingindo um número cada vez maior de pessoas, cujas causas vão muito além de sintomas de descontrole emocional. 

O SUS oferece uma série de serviços para o tratamento de transtornos mentais. Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), disponibiliza tratamento multidisciplinar com psicólogos, psiquiatras, enfermeiros e assistentes sociais. Além de alguns hospitais comuns oferecerem leitos para pacientes que necessitam de internação. 

Mesmo que o SUS ofereça assistência e tratamento à população, por que os dados mostram um aumento nos casos de ansiedade e depressão?

É possível considerar que hoje, com o acesso facilitado à informação, temos mais dados sobre saúde mental, o que contribui para uma maior conscientização sobre os sintomas e diagnósticos de transtornos mentais. Esse aumento na quantidade de informações disponíveis também pode estimular uma maior busca por serviços de saúde mental. O crescimento dos casos de ansiedade e depressão não significa, necessariamente, que a prevalência desses transtornos seja algo novo, ao contrário, pode refletir uma identificação mais precoce e um incentivo maior para a procura de ajuda. No entanto, segundo o Dr. Drauzio Varella, a falta de psicólogos e psiquiatras disponíveis no SUS é um dos principais motivos pelos quais muitas pessoas, especialmente as em maior vulnerabilidade social, não conseguem acessar o atendimento necessário.

Maior investimento em políticas públicas de saúde mental é essencial para garantir à população brasileira assistência e tratamento adequado. Mirian Gorender, diretora secretária adjunta da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), avalia uma falha muito grande na assistência que afeta a saúde e a vida da população. Além disso, Gorender afirma que em outros países o serviço de saúde mental é mais adequado, o que resulta na diminuição constante da taxa de suicídio. No Brasil, essa taxa vem subindo de forma constante. Mirian reforça que, com o avanço da ciência, o paciente pode levar uma vida normal e aproveitar seu potencial, mas para isso é necessário que tenha acesso a tratamento eficaz.

Por trás do “auê”, das manifestações intensas de sentimentos, há questões muito profundas e relevantes que precisam ser ouvidas, compreendidas e tratadas com atenção. Por isso, esteja atento aos sinais do seu corpo e das pessoas que estão ao seu redor. A saúde mental garante o seu bem-estar, possibilitando o desenvolvimento de suas habilidades e melhor resposta aos desafios da vida.

 

Referências:

GORTÁZAR, Naiara Galarraga. Barbacena, a cidade-manicômio que sobreviveu à morte atroz de 60.000 brasileiros. El País, 2021. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2021-09-05/barbacena-a-cidade-manicomio-que-sobreviveu-a-morte-atroz-de-60000-brasileiros.html. Acesso em: 14 nov. 2024. 

 

PRADO, Alessandra Lemes; BRESSAN, Rodrigo Affonseca . O estigma da mente; transformando o medo em conhecimento. PePsic: 2016. 

 

ROCHA, Lucas. Casos de ansiedade e depressão cresceram 25% durante pandemia, diz OMS. CNN Brasil, 2022. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/saude/casos-de-ansiedade-e-depressao-cresceram-25-durante-pandemia-diz-oms/. Acesso em: 14 nov. 2024. 

 

VARELLA, Drauzio . Como conseguir tratamento para a ansiedade no SUS?. Uol, 2022. Disponível em: https://drauziovarella.uol.com.br/videos/como-conseguir-tratamento-para-ansiedade-no-sus/. Acesso em: 14 nov. 2024. 

PERAITA, Begoña Albalat . Millennials e geração Z: por que elas são ‘geração deprimida’. BBC News Brasil, 2022. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-60788360. Acesso em: 14 nov. 2024. 

 

CARVALHO, Rone . Por que o Brasil tem a população mais depressiva da América Latina. BBC News Brasil, 2023. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/czkekymmv55o#:~:text=Na%20lista%20de%20pessoas%20mais,mulher%20mais%20exposta%20%C3%A0%20doen%C3%A7a.. Acesso em: 14 nov. 2024. 

 

Depressão entre jovens de 18 a 24 anos aumentou para 11,1% em 2019, segundo pesquisador do IEPS. Instituto de Estudos para Políticas de Saúde, 2022. Disponível em: https://ieps.org.br/depressao-entre-jovens-de-18-e-24-aumentou-para-111-em-2019-segundo-pesquisador-do-ieps%EF%BF%BC/. Acesso em: 14 nov. 2024. 

Casos de ansiedade não tratados podem tornar-se problemas de saúde mental mais graves. Jornal da USP, 2023. Disponível em: https://jornal.usp.br/radio-usp/casos-de-ansiedade-nao-tratados-podem-tornar-se-problemas-de-saude-mental-mais-graves/. Acesso em: 14 nov. 2024.