Segundo um dos estudos mais recentes publicados na área do direito, produzido pela associação SaferNet Brasil em parceria com o Ministério Público Federal (MPF), no ano de 2018 foram registrados 366 crimes cibernéticos por dia no Brasil, totalizando 133.732 queixas por delitos virtuais, como pornografia infantil, conteúdos de apologia, crimes contra a vida, violência contra a mulher e incitação à violência, por exemplo.
Mudança nos procedimentos
O problema desse montante é que ele esbarra na ausência de leis que versem sobre o tema. Conforme o advogado criminalista e professor das disciplinas de Processo Penal, Direito Penal e Criminologia da Universidade Franciscana (UFN), de Santa Maria, Leonardo Sagrillo Santiago, essa defasagem provoca uma série de problemas sociais, a começar pela lentidão nos processos. “Nós, do Direito, não estávamos prontos para esse cenário virtual. Nosso código é antiquado, defasado, e está fundamentado em ritos igualmente defasados. Para se realizar uma investigação de crimes virtuais se adotam procedimentos muito semelhantes aos dos demais crimes, com interrogatórios pessoais, por exemplo. É uma realidade desconexa do ambiente virtual, onde é necessário agilidade”, comentou Santiago, durante palestra realizada no 10ª Encontro Anual de Tecnologia da Informação (Eati) e 7ª Jornada Acadêmica de Sistemas da Informação (Jasi), realizadas no Instituto Federal Farroupilha, campus Frederico Westphalen (IFFar-FW).
Lei Carolina Dieckmann
Uma das poucas leis no Código Penal que tratam especificamente dos crimes virtuais é a Lei 12.737/2012, conhecida como Lei Carolina Dieckmann, sancionada em novembro de 2012 após a atriz global que dá nome à norma ter sofrido com o vazamento de fotos íntimas. Desde então, o código prevê punições para quem invadir dispositivos eletrônicos e arquivos pessoais, bem como instalar componentes que causem vulnerabilidade no sistema do aparelho, interromper seu funcionamento ou falsificar cartões de crédito.
Conforme Santiago, a aprovação e sanção dessa lei foi um episódio incomum e só ocorreu em função da proporção nacional que o caso ganhou após envolver uma figura pública famosa.
Além da Lei Carolina Dieckmann, a legislação tipifica e prevê outras duas normas que são aplicadas aos crimes virtuais. A primeira trata de calúnia, difamação e injúria, delitos que, segundo o professor, são muito comuns no ambiente da Internet. A segunda norma se ampara no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e trata, em resumo, da exposição sexual de crianças e adolescentes, estabelecendo punições para quem cria, veicula ou armazena esses conteúdos.
Sem muito amparo no Código Penal para julgar crimes virtuais e com a necessidade de dar seguimento aos casos, os juízes acabam criando jurisprudências ao utilizarem termos que tipificam crimes do Código Penal como se fossem virtuais, explica Santiago. Um dos exemplos é o chamado “estupro virtual”, conceito que surgiu recentemente a partir do Poder Judiciário e se baseia na descrição de estupro prevista no Código Penal, aplicada à realidade virtual.
A legalidade dessa legislação foi um ponto questionado por Santiago. Por um lado, ela é a única saída para que os processos possam ter continuidade e as vítimas ser atendidas. Ele alerta, porém, que isso pode implicar em punições descompassadas, ora brandas, ora severas, uma vez que põe em pé de igualdade “um estupro sexual realizado em uma pessoa e um estupro virtual, que ocorre sem que o agressor encoste um dedo da vítima”, afirma o especialista.
Trabalho conjunto
Durante a fala para os estudantes curso de tecnologia de todo o Brasil que participaram do evento, Santiago destacou que os profissionais de tecnologia da informação podem ser o caminho para que esse empecilho seja solucionado. “Acredito que a interdisciplinaridade entre as áreas do Direito e das Tecnologias da Informação seja produtiva para aprimorarmos essas ações. Muitas vezes, nós [da área do Direito] não sabemos quais as melhores maneiras para procedermos com investigações desses crimes virtuais. Por outro lado, eles [da área de Tecnologia da Informação] sabem como nos ajudar, mas não têm o conhecimento da legislação, então essa junção é benéfica para ambos.
Fonte: EATI