Começa nesta quarta-feira (10) a construção de um memorial da Boate Kiss em homenagem às 242 vítimas que morreram no incêndio, aos 636 feridos e aos familiares deles. As obras começam após 11 anos e seis meses da tragédia, que ocorreu em 27 de janeiro de 2013, em Santa Maria, na Região Central do RS.
A estrutura será erguida no mesmo prédio onde funcionava a boate, no centro da cidade.
Um ato simbólico, às 9h, deve marcar o início das obras, com a remoção do letreiro e da porta principal. Familiares, sobreviventes, entes públicos e moradores do município devem acompanhar o início dos trabalhos, previsto para durar até as 17h.
“A gente entende que o memorial, para além de uma construção feita de tijolo e cimento, é uma construção que se inicia na palavra e carrega muito a história consigo”, afirma o presidente da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), Gabriel Rovadoschi Barros.
Ele afirma que, além do letreiro e do portão, outros objetos serão retirados para compor um acervo. Esses outros materiais devem formar uma exposição itinerante, que tem como proposta preservar a memória e conscientizar as pessoas sobre a tragédia.
A primeira etapa das obras inclui:
- Definição dos itens que farão parte do acervo do memorial da AVTSM;
- Remoção do telhado;
- Classificação dos resíduos que permanecem no local para retirada de uma empresa especializada;
- Abertura de um espaço na entrada central para ingresso de máquinas.
Nos últimos dias, a empresa responsável fez a remoção de alguns itens e colocou tapumes em torno da fachada.
O prazo para a entrega do memorial é de oito meses.
Projeto
O projeto vencedor do memorial é do arquiteto paulista Felipe Zene Motta, que propôs a construção de um jardim central e de um único pavimento que seja de fácil construção e manutenção.
O memorial terá uma área de 383,65 metros quadrados. Serão três salas (um auditório com capacidade para 142 pessoas, uma sala multiuso e uma sala que será a sede da AVTSM). Além disso, o espaço contará com um jardim circular ao centro com 242 pilares de madeira em volta – cada um representa uma vítima. Elas conterão o nome de cada vítima e um suporte de flores.
“Hoje ficou aquela ruína de boate, aquele monstro que todo mundo passa e remete imediatamente à tragédia. E por mais que o memorial tenha o objetivo de transformar aquele lugar numa coisa que transmita uma paz para os familiares, que dê algum tipo de conforto se é que isso é possível para eles, essa memória da tragédia não pode ser apagada”, afirma o arquiteto.
O projeto foi escolhido por meio de um concurso, em 10 de abril de 2018, entre 121 propostas inscritas de 14 estados brasileiros. A iniciativa foi realizado no dia em que a tragédia completou cinco anos, em 27 de janeiro de 2018.
Orçamento milionário
A empresa responsável pela execução da obra é a INFA Incorporadora Farroupilha, de Triunfo, que venceu a licitação. O custo do projeto é de R$ 4.870.004,68.
Parte do valor será custeada com verbas do Fundo para Reconstituição de Bens Lesados (FRBL) do MPRS, que, em maio de 2023, oficializou o repasse de R$ 4 milhões. O restante será pago pela Prefeitura de Santa Maria.
“Este memorial, além dele lembrar a tragédia e homenagear as vítimas, também vai ser um marco à prevenção, porque ele já vem com um pré-aviso que, a partir de agora, dessa era da construção do Memorial às vítimas da Kiss, a associação vai intensificar a questão da prevenção”, afirma o pai de uma das vítimas, Flávio Silva.
Caso Kiss
Na madrugada de 27 de janeiro de 2013, em um domingo, um incêndio atingiu a boate Kiss, no centro de Santa Maria. 242 pessoas morreram e outras 636 ficaram feridas, após fagulhas de dispositivos pirotécnicos atingirem a espuma acústica que revestia o teto da boate. Uma fumaça tóxica se espalhou pela casa noturna ao pegar fogo (veja a cronologia).
Em dezembro de 2021, o tribunal do júri condenou quatro réus:
- Elissandro Callegaro Spohr (empresário e sócio da casa noturna): 22 anos e seis meses de reclusão;
- Mauro Londero Hoffmann (empresário e sócio da casa noturna): 19 anos e seis meses;
- Marcelo de Jesus dos Santos (vocalista da banda que levantou o artefato pirotécnico): 18 anos de prisão;
- Luciano Augusto Bonilha Leão (produtor que comprou e ativou o fogo de artifício): 18 anos de prisão.
No entanto, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul anulou o júri em 3 de agosto de 2022 alegando irregularidades na escolha dos jurados, reunião entre o juiz presidente do júri e os jurados, ilegalidades nos quesitos elaborados e suposta mudança da acusação na réplica, o que não é permitido.
Em 5 de setembro de 2023, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a anulação do júri por quatro votos a um.
Em 2 de maio deste ano, a Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu ao Supremo Tribunal Federal o reestabelecimento da condenação dos quatro réus. A Procuradoria alega que as nulidades apontadas pelo Tribunal durante análise do caso pelo tribunal do júri não causaram prejuízo aos acusados.