De janeiro a julho deste ano, 51 denúncias de procedimentos invasivos realizados por pessoas sem formação em medicina foram recebidas pelo Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul (Cremers). Em média, a cada mês de 2024, ao menos sete casos chegaram ao conhecimento do conselho.
As denúncias relatam principalmente casos de procedimentos estéticos como aplicação de botox, remoção de pele e injeções nos glúteos, coxas e abdômen.
O Cremers aponta que, de acordo com a lei 12.842/2013, conhecida como Lei do Ato Médico, tratam-se de procedimentos invasivos, pois envolvem penetração na pele ou no organismo, e somente médicos estão autorizados a realizá-los.
O presidente do Cremers, Eduardo Neubarth Trindade, observa que há riscos de complicações em procedimentos feito sem o apoio médico.
“Muitas vezes a reação vai acontecer dois, três, quatro dias depois [do procedimento]. Complicações todos podem ter, ninguém é isento. Só que nós não podemos ter complicações bizarras ou devido ao desconhecimento. A população tem que se dar conta que isso é pra garantir sua própria segurança”, afirma o presidente.
No ano passado, 171 denúncias de exercício ilegal da medicina foram apuradas pelo Conselho. Do total, 81, ou seja, quase metade, foram relacionados a procedimentos estéticos. Segundo o Cremers, todas as denúncias são analisadas pelo setor jurídico e, dependendo do caso, podem resultar em intervenção judicial.
Pacientes sem conseguir fechar os olhos
Eduardo Neubarth cita, entre os casos relatados no RS, a situação de ao menos três pacientes que fizeram uma blefaroplastia – cirurgia para remoção de pálpebras – e acabaram sem conseguir fechar os olhos após o procedimento sem apoio médico.
Outra denúncia recebida pelo conselho resultou, em julho deste ano, em uma liminar proferida pela Justiça proibindo uma esteticista que oferecia procedimentos invasivos e também anunciava a realização de cursos da área.
Como conferir se o profissional está habilitado para o procedimento?
Na hora de escolher, é recomendado fazer algumas perguntas:
- Qual a profissão de quem vai fazer o procedimento?
- Após saber a profissão, cheque se ela está entre as que podem fazer esse tipo de procedimento.
- Peça o registro profissional. Isso porque não basta estar entre os profissionais de saúde que podem aplicar, mas cumprir as exigências de conhecimento técnico e experiência. Com o registro, você pode ir ao site do conselho e checar se o profissional é classificado como estético.
- Cheque se a licença na vigilância sanitária está em dia. Para isso, você vai precisar do CNPJ e endereço. A consulta pode ser feita por telefone ou online.
‘Mudou o formato do meu rosto’, diz paciente
Em um estabelecimento onde costumava fazer procedimentos estéticos, uma moradora de Estrela, no Vale do Taquari, que pediu para não ser identificada, recebeu a oferta da aplicação de um bioestimulador de colágeno. O tratamento envolve substâncias injetáveis e foi ministrado por uma biomédica, diz a moradora.
“Poucos dias depois da aplicação já deu alguma alteração, que, na época, a profissional que me atendeu disse que era uma reação alérgica. A minha situação foi piorando e piorando”, conta a paciente.
Após a aplicação, o rosto da mulher ficou inchado e cheio de feridas. Ao longo de dois meses, a paciente afirma ter tentado , até decidir consultar uma dermatologista na cidade vizinha de Lajeado. “Ele avaliou o meu rosto e disse que não pegaria meu caso, que era muito grave”, relata.
A paciente foi então encaminhada a Taciana Dal’Forno Dini, dermatologista em Porto Alegre, que diagnosticou uma infecção, provavelmente relacionada às condições do procedimento. O tratamento envolveu antibióticos e durou 13 meses.
“Foi uma lição de vida pra mim. Agradeço hoje que, apesar das cicatrizes que eu tenho, até mudou um pouco o formato do meu rosto, mas eu agradeço por estar viva e qualquer coisa tem que ser feita por um médico especializado. A gente não sabe o que pode acontecer”, relata a mulher, que ingressou na Justiça com processo contra a biomédica.
“O que tem ocorrido é que os profissionais não médicos realizam os procedimentos e, quando os pacientes complicam, não existe o conhecimento médico para o manejo das complicações. Os pacientes acabam fazendo vários tratamentos não indicados e, muitas vezes, os tratamentos realizados acabam até agravando o problema”, observa a dermatologista Taciana, que atendeu a paciente.