Além da pandemia do novo coronavírus, o Rio Grande do Sul passa por outro problema que requer ação governamental e cuidados da população: a infestação do mosquito Aedes aegypti e o consequente aumento de casos de dengue. Em meio a isso, na Capital, os Agentes de Combate às Endemias, que deveriam fazer trabalho de busca ao mosquito e prevenção à doença junto à população, denunciam estarem trabalhando em desvio de função, dentro de unidades de saúde, em vez de realizarem as visitas domiciliares.
Conforme dados da Secretaria Estadual da Saúde (SES), 83,3% das cidades gaúchas registram infestação pelo mosquito e o número de casos de dengue contraídos no estado desde o início de 2021 já é o maior desde que o levantamento começou a ser feito, em 2010. O Informativo Epidemiológico da Semana Epidemiológica 21, com informações até o dia 29 de maio, aponta 10.826 casos suspeitos da dengue no estado, com 6.962 casos confirmados, sendo 6.760 casos autóctones, ou seja, contraídos no território gaúcho. Somente na última semana, foram 561 novos casos confirmados. Dos 497 municípios gaúchos, 196 já notificaram casos suspeitos. Oito mortes foram confirmadas pela doença.
O médico infectologista Keny Colares, consultor em infectologia da Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP-CE), chama atenção para a gravidade da dengue, que pode evoluir para uma doença potencialmente letal em alguns pacientes. “A dengue está no nosso país como uma endemia e vez por outra aumentam muito os casos, se transformando numa ocorrência epidêmica. Regiões de clima mais temperado, como no Rio Grande do Sul, na Argentina, tinha pouco acometimento por dengue e estão passando a ter mais”, afirma.
“Aí tem toda uma discussão relacionada a mudanças climáticas, aquecimento global, o mosquito também tem a capacidade de se adaptar a climas mais frios. O fato é que é uma doença com tendência de crescimento no mundo e que merece ser levada a sério”, destaca. Segundo ele, em meio à pandemia do novo coronavírus, é um risco negligenciar o combate a outras doenças.
Um trabalho que não pode ser interrompido
O infectologista Keny Colares destaca a importância do trabalho dos agentes de endemias de visita às comunidades. Ele avalia ser até compreensível que o serviço tenha sido interrompido na fase inicial de enfrentamento à pandemia de covid-19, já que a rede teve que se readequar e priorizar. “Depois de um ano não é razoável não estar fazendo essas atividades. Já passou mais de um ano de enfrentamento e é preciso que a rede seja preparada, com treinamento e recurso, para que consiga enfrentar esse problema”, avalia.
Keny destaca que deixar de enfrentar a dengue com prevenção e assistência por causa da covid pode causar ainda mais pressão no sistema de saúde. “O aumento de casos pode causar uma dificuldade adicional de manter a saúde das pessoas e inclusive comprometer o atendimento à covid, se as unidades começarem a se encher de pessoas com dengue.”
Agentes correm risco de demissão
Os ACEs, da mesma forma que os agentes comunitários de saúde (ACS), são categorias que faziam parte do Instituto Municipal da Estratégia da Saúde da Família (IMESF), que está em processo de extinção, iniciado pela Prefeitura de Porto Alegre ainda na gestão de Nelson Marchezan Jr (PSDB). Segundo o trabalhador ouvido pela reportagem, nas últimas mediações entre os sindicatos e o município, foi dito pela Secretaria Municipal de Saúde que os agentes seriam incorporados pelo município em um cargo de extinção. “Mas não foi respondido como e nem quando isso pode ocorrer. Então estamos no limbo”, comenta.
Com a nova gestão, o governo Sebastião Melo (MDB) encaminhou que os sindicatos formassem um grupo de trabalho (GT) para resolver essa questão do IMESF. O agente destaca que este GT provou que manter os trabalhadores custaria menos da metade que contratar empresas terceirizadas, “mas mesmo assim o município demitiu os técnicos de enfermagem, os enfermeiros e o pessoal da odonto. Com os médicos foi feito um acordo.”
“Então nós agentes não confiamos nesse prefeito que não tem palavra. Tanto ele pode nos assumir, como pode chamar concursados para por no nosso lugar. Só que os concursados não vão suprir a demanda. Porque foram poucos que passaram. Tem postos de saúde em que não passou nenhum agente”, afirma.
O último concurso foi realizado em agosto de 2020, em meio à pandemia, e teve uma grande abstenção: 40% dos inscritos não fizeram a prova. O edital, porém, abriu vagas para apenas um ACE, e para 137 ACS. “Aquele concurso foi um fiasco. Muitos agentes se negaram a fazer. Muitos não acharam o local das provas. Chovia torrencialmente no dia da prova em plena pandemia. Muitos inscritos chegaram em seus lugares de prova e não tiveram seus nomes homologados. Em muitas unidades de saúde nenhum agente passou”, critica.
A diretora do Sindisaúde-RS afirma que o sindicato está tentando, primeiramente, através do diálogo com a Vigilância em Saúde, resolver esse problema “que começou a ocorrer desde que os ACEs foram para Atenção Básica do município e se tornaram um faz tudo dentro das unidades”. Rosângela também destaca que o IMESF ainda não foi extinto, “pois se isso tivesse acontecido não estaríamos trabalhando e recebendo do instituto em questão”. Lembra ainda que existe a lei 11.350/2006, que regulamenta os agentes em geral e “os mesmos não podem ser contratados sem ser via concurso público ou processo seletivo com vínculo na administração direta do município”.
Segundo o agente ouvido pela reportagem, na última semana um profissional da Vigilância em Saúde visitou unidades para conferir a situação. “Logo em seguida ele ligou pra gerência e perguntou por que a coordenadora não estava liberando os agentes pra fazer visitas domiciliares de dengue. Ela respondeu que precisava dos agentes porque estava faltando mão de obra na unidade. O responsável da Vigilância achou isso um absurdo e logo em seguida lançou uma norma técnica pros agentes serem liberados nem que seja 50% pras visitas”, conclui.
A reportagem do Brasil de Fato RS contatou a Secretaria Municipal de Saúde e enviou questões a respeito das denúncias feitas pelo sindicato e os trabalhadores. Até o fechamento desta reportagem, a pasta não havia retornado com as informações. Caso haja retorno, o conteúdo será atualizado.
*Brasil de Fato RS