O Tribunal de Justiça (TJ) do Rio Grande do Sul negou, na manhã desta terça-feira, 10, o pedido de desaforamento feito pelo Ministério Público (MP) para que Luciano Bonilha Leão, um dos quatro réus do processo resultante da tragédia da boate Kiss, fosse julgado em Porto Alegre junto aos outros três.
Com a decisão, o júri dele está mantido para a próxima segunda-feira, 16, no Centro de Convenções da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Os outros três acusados — Elissandro Spohr, Mauro Hoffmann e Marcelo de Jesus dos Santos — seguem com o julgamento previsto para ocorrer na Capital, ainda sem data marcada.
O pedido do MP foi feito na tarde de segunda-feira, 9. O órgão alega que a realização dos julgamentos em locais separados pode gerar nulidade do processo.
“O principal fundamento do pedido reside no princípio da unicidade de julgamento pelo Tribunal do Júri, o que, ao meu juízo, afasta a possibilidade de deferimento da medida pleiteada, in limine litis, uma vez que esse princípio não se encontra entre as hipóteses de desaforamento do julgamento”, diz na decisão o desembargador Manuel José Martinez Lucas, da 1ª Câmara Criminal do TJ.
O desembargador acrescenta ainda: “Não vejo razão para mudar minha posição a respeito da matéria e, por conseguinte, não vislumbro relevância nos fundamentos deste pedido de desaforamento”.
Sobre o argumento do Ministério Público a respeito da imparcialidade dos jurados em Santa Maria, motivo para o desaforamento, o magistrado entende não haver interesse:
“Não enxergo interesse do Ministério Público, pois, ao que se extrai de todos os argumentos expendidos naquelas medidas, a suposta parcialidade dos jurados de Santa Maria seria contra os réus, e não a favor deles, o que, por óbvio, beneficia a acusação”, declarou.
Em sua decisão, o desembargador citou também a entrevista concedida pelo réu, no último domingo, 8, ao programa Fantástico, da TV Globo. Em sua fala, Luciano Bonilha Leão manifesta a intenção de ser julgado em Santa Maria.
“Diante dessa situação, afigura-se, a meu sentir, até absurdo o desaforamento a pedido do órgão acusatório e, consequentemente, não se mostra razoável a suspensão do julgamento aprazado”, afirmou o desembargador, que destaca os esforços para a organização do júri por parte do juiz Ulysses Fonseca Louzada:
“A eventual suspensão daquele julgamento constituiria uma inaceitável desconsideração com o ilustre magistrado”.
Posicionamentos
Procurado por GaúchaZH, o Ministério Público informou, por meio da assessoria de imprensa, que “estuda a possibilidade de recorrer da decisão”. Já o presidente da Associação de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), Flávio da Silva, disse que o indeferimento do pedido não é uma surpresa:
— Essa negativa já era esperada, e agora ainda temos recursos pela frente que podem ser adotados. Estamos avaliando quais medidas adotaremos a partir de agora, porque queremos que o júri do Luciano seja levado para Porto Alegre para que não prejudique o processo como um todo. Sempre lutamos para que o júri acontecesse em Santa Maria para todos. Como não há mais essa possibilidade, concordamos com o MP e esperamos que o Luciano seja julgado em Porto Alegre junto com os demais, para que não haja cisão no processo.
O advogado de Luciano Bonilha Leão, Jean Severo, afirmou à reportagem que a decisão do TJ foi correta:
— Encaramos com tranquilidade essa decisão, que foi correta. Quanto ao fato de o Ministério Público poder recorrer, acredito que a tentativa é livre. Se vão obter êxito é uma outra questão. Todos esses recursos reforçam a tese defensiva de que Luciano é inocente e deve ser absolvido. Estamos diante de um julgamento e não de uma vingança privada. O Ministério Público, no meu sentir, dessa maneira, quer uma vingança privada juntando todos os quatro réus, para ver se tem uma condenação. Porque, se for analisar conduta por conduta, e ao meu ver é assim que tem que ser feito, o Luciano tem que ser absolvido.
Histórico
Em outubro de 2019, o juiz responsável pelo caso, Ulysses Fonseca Louzada, da 1ª Vara Criminal de Santa Maria, emitiu despacho em que determinou que o futuro dos quatro réus fosse definido em dois julgamentos: Marcelo de Jesus dos Santos e Mauro Hoffmann seriam julgados no dia 16 de março de 2020, enquanto o júri de Elissandro Spohr e Luciano Bonilha Leão ocorreria em 27 de abril de 2020.
Contudo, as partes entraram com recursos e o Tribunal de Justiça acatou os pedidos das defesas de três réus,direcionando o julgamento deles para Porto Alegre. Já o júri de Leão ficou definido para ocorrer no município em que ocorreu a tragédia.
A tragédia na Kiss ocorreu em 27 de janeiro de 2013. Os réus são acusados de provocar a morte de 242 pessoas e de mais de 600 tentativas de homicídio.
*Gaúcha ZH