Estão circulando publicações unindo títulos de duas reportagens para afirmar, erroneamente, que Bolsonaro estava certo sobre a aposta em remédio nasal contra o coronavírus.
A primeira chamada, publicada pelo UOL em março de 2021, diz: “Com spray, Bolsonaro insiste em medicamento sem eficácia contra covid-19”. A segunda, que foi ao ar no programa “Fantástico”, da Globo, em 5 de junho de 2022, informa: “Vacina de spray nasal é o caminho para o fim da pandemia de covid, apontam especialistas”.
Tirando os títulos do contexto, o post usa a hashtag #Bolsonarotemrazão ao comparar as reportagens. A primeira informa que o spray nasal, aposta do presidente Jair Bolsonaro, não tem eficácia comprovada contra a covid-19. A do programa da Globo afirma que especialistas apontam a vacina de spray nasal como “caminho” para o fim da pandemia. A relação, porém, não pode ser feita, porque se tratam de medicamentos diferentes.
O que o presidente defendia é um remédio em desenvolvimento em Israel para tratar pessoas já infectadas pelo coronavírus. Bolsonaro começou a falar sobre um spray nasal contra a covid-19, de acordo com a Folha, em fevereiro de 2021, após o jornal israelense Times of Israel publicar que o remédio EXO-CD24 havia curado 29 dos 30 casos moderados a graves de covid-19. Em 12 de fevereiro de 2021, em seu Twitter, o presidente afirmava ter conversado com o então primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, sobre o medicamento. Segundo ele, o remédio vinha “obtendo grande sucesso no tratamento” da doença em casos graves.
Três dias depois, ele publicou que “brevemente” enviaria o pedido de análise para seu uso emergencial à Anvisa, mostrando interesse em comprá-lo. Inclusive, em março de 2021, o governo federal enviou uma comitiva de dez pessoas a Israel para conhecer o spray nasal. A viagem, que custou ao menos R$ 100 mil, segundo a Folha –, não resultou em nenhum contrato.
Já sobre o spray que trata a doença, citado no Fantástico, os cientistas que participam das pesquisas, disseram que ainda não há resultados que comprovem sua eficácia – exatamente como informa a reportagem do UOL usada no conteúdo enganoso.
Mas, diferentemente do que o presidente disse, o EXO-CD24 é um medicamento que estava em teste para ser usado em pessoas infectadas pelo vírus, não um imunizante. Inclusive, o uso original do EXO-CD24 é para tratamento de câncer de ovário.
Como informa o Fantástico, “grupos pelo mundo estão na busca de uma vacina que ataque o vírus logo de cara, que não deixe que ele se multiplique” – o que seria feito via nasal. Ainda de acordo com a atração da Globo, desta forma “a pessoa vacinada não se contamina, e nem dá tempo de transmitir o vírus” e o micróbio finalmente para de circular e a pandemia pode chegar ao fim”.
Nota técnica do Ministério da Saúde de fevereiro de 2021 concluía que o medicamento “aponta para uma melhora clínica importante dos pacientes hospitalizados com covid-19 moderada a grave”, mas que “os resultados ainda não foram publicados e as informações disponíveis não oferecem dados suficientes sobre os desfechos de segurança e eficácia obtidos e as características dos pacientes incluídos”.
Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), fala que o desenvolvimento desse tipo de vacina é muito procurado para combater os vírus que têm entrada pelas vias respiratórias. Para ele, entretanto, é um caminho mais difícil já que o custo financeiro e tecnológico é maior, demandando laboratórios de biossegurança maiores.
O post envolvendo os dois títulos foi divulgado por inúmeros perfis. A deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) no Facebook recebeu 2,5 mil comentários e mais de 15 mil compartilhamentos até o dia 8 de junho. Outros políticos divulgaram as mesmas alegações em seus perfis do Facebook após a postagem da parlamentar. Até a mesma data, a publicação do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) tinha 3,3 mil compartilhamentos e 966 comentários. Já o conteúdo propagado pela deputada federal Bia Kicis (PL-DF) teve 3,3 mil compartilhamentos e 496 comentários.
*Com informações do Projeto Comprova