Lula e Bolsonaro adotam estratégias distintas na escolha de candidato a vice

“Eu sou vice-presidente. Então, não sou nada, mas posso ser tudo”. O diplomata americano John Adams classificava o posto de vice-presidente, que ocupou durante o mandato de George Washington, como um cargo sem efetivo poder. O prestígio político obtido com a função, no entanto, contribuiu para a sua eleição a presidente, em 1797.
Como Adams, no Brasil, dez vice-presidentes chegaram ao posto de presidente, seja por meio de renúncia, morte, impeachment ou eleição. O caso mais recente foi o de Michel Temer (MDB), que substituiu Dilma Rousseff (PT) em 2016. Como o processo de articulação teve participação de aliados do emedebista, ele foi chamado de algoz da petista.
O posto de número dois na hierarquia presidencial, contudo, nem sempre é um fardo ou um trampolim para o Palácio do Planalto. Os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT), por exemplo, tiveram colegas de chapa considerados trunfos eleitorais.
No caso, primeiro Marco Maciel (do então PFL, hoje DEM) e depois José Alencar (do então PR, hoje Republicanos) contribuíram para a construção de uma imagem de moderação ao cabeça de chapa, atraindo o apoio de segmentos conservadores às duas gestões.

Para a disputa presidencial de 2022, o receio de uma futura traição ou a busca por dividendos eleitorais tem conduzido a discussão para a escolha do candidato a vice-presidente pelos dois nomes mais bem posicionados até agora nas pesquisas de intenção de voto.
O presidente Jair Bolsonaro (PL) já informou a um grupo de aliados que não pretende ter ao seu lado um nome com prestígio no Congresso Nacional. Nas conversas relatadas, ele relembra o impeachment de 2016 e afirma que não vislumbra ter em sua chapa eleitoral um político profissional.
 Além disso, o presidente tem salientado, em conversas reservadas, que almeja um nome que não lhe faça um contraponto, em referência ao atual vice-presidente Hamilton Mourão. Em julho, ao ser perguntado sobre o general da reserva, Bolsonaro o comparou a um cunhado. “Você casa e tem que aturar”, resumiu.
Com o perfil definido, Bolsonaro cogita dois auxiliares para a função: o presidente da Caixa, Pedro Guimarães, e o ministro da Defesa, Braga Netto.  Além de buscar nomes de confiança e com afinidade, o presidente pretende consolidar o apoio em um de dois segmentos que foram cruciais em sua eleição em 2018: o militar e empresarial.
Com experiência na negociação parlamentar, e prevendo reeditar aliança com o bloco do centrão que lhe garanta maioria congressual, Lula focou sua estratégia em um resultado em curto prazo, ou seja, que tenha impacto eleitoral. Em busca de apoio em São Paulo, o maior colégio eleitoral do país, o petista negocia uma dobradinha com o ex-governador Geraldo Alckmin, seu principal adversário na disputa eleitoral de 2006, o que surpreendeu a classe política.
Fora do PSDB, Alckmin calcula anunciar sua filiação ao PSB em fevereiro, quando Lula deve oficializar sua candidatura ao Palácio do Planalto. A estratégia também envolve a tentativa de repetir o impacto causado em 2002 com a escolha do empresário José Alencar para o posto de vice-presidente, ou seja, trazer uma imagem de moderação ao petista.
Nas palavras de um aliado de Lula, a ideia é que Alckmin seja, em 2022, uma espécie de nova “Carta ao Povo Brasileiro”. O documento foi lançado por Lula em 2002 na tentativa de acalmar o mercado financeiro, que receava uma postura radical na condução da política econômica.
A aproximação entre Lula e Alckmin vem após um histórico de enfrentamento. Pouco mais de três anos atrás, Geraldo Alckmin afirmou que não existia “a menor chance de aliança com o PT”. Em 2006, enfrentaram-se diretamente na disputa ao Planalto e trocaram acusações.
Com a definição do quadro eleitoral, as atenções no começo deste ano se voltam para as estratégias de escolha dos candidatos a vice-presidente, que, sejam trunfo sejam algoz, funcionam como uma espécie de “salva-vidas em momentos de crise”, como definiu o ex-presidente José Sarney (MDB), que substituiu Tancredo Neves em 1985.
As escolhas, no entanto, carregam ônus. Caso feche uma aliança com Alckmin, Lula será cobrado a explicar ao seu eleitorado de esquerda o motivo de celebrar um “casamento” político com um nome identificado com a centro-direita.
Já Bolsonaro, que tem cogitado auxiliares sem trajetória política, corre o risco de fazer uma dobradinha com um nome com pouco potencial de lhe trazer dividendos eleitorais.

 

*CNN Brasil/Gustavo Uribe