No dia 26 de julho, quando a pira olímpica for acesa em Paris, na França, atletas de 206 países darão continuidade a uma antiga tradição que foi revivida após uma pausa de 1500 anos, quando a capital grega, Atenas, organizou a primeira Olimpíada da era moderna.
O evento de 1896 reuniu apenas 241 atletas, que correram em pistas separadas por cordas e nadaram na baía grega de Zea. Mas ele é o ponto de partida de uma nova história dos Jogos Olímpicos de Verão, contada através das fotografias.
Publicado pela editora Assouline, o livro The Last Heroes – 100 Moments of Olympics Legend (“Os últimos heróis – 100 momentos de lendas olímpicas”, em tradução livre) homenageia os atletas olímpicos mais extraordinários da história e conta os momentos inesquecíveis de cada Olimpíada.
1. Johnny Weissmuller posa para o artista John Hubbard Rich, c. 1931
Paris organizou os Jogos Olímpicos pela última vez em 1924. Naquela oportunidade, Johnny Weissmuller (1904-1984) – o primeiro nadador a romper a barreira de um minuto nos 100 metros livre – ganhou três medalhas de ouro e uma de bronze para os Estados Unidos.
Nascido em uma família alemã na Hungria, Weissmuller ainda era bebê quando sua família tomou um navio em 1905, rumo a Ellis Island, em Nova York, para começar uma nova vida.
Retratado pelo pintor e ilustrador americano John Hubbard Rich (1876-1954) para a Competição de Arte Olímpica (um evento realizado entre 1912 e 1948), a celebridade que saiu da pobreza se tornou um símbolo de beleza atlética e do sonho americano.
Ele consolidou suas credenciais de galã no cinema, protagonizando o filme Tarzan, o Filho das Selvas (1932), um papel que ele repetiu por 11 vezes.
Após sua morte, surgiu a informação de que, em 1924, Weissmuller era apátrida e havia levado a identidade do seu irmão mais jovem para entrar na equipe olímpica americana. Mas sua devoção aos Estados Unidos nunca foi posta em dúvida, de forma que o senador Ted Kennedy (1932-2009) e o então presidente americano Ronald Reagan (1911-2004) organizaram uma salva de 21 tiros no seu funeral.
2. Adolf Hitler abre os Jogos Olímpicos de Berlim, 1936
Ao longo dos anos, os políticos se pavonearam com frequência pela arena olímpica.
As imagens dos Jogos Olímpicos de Berlim, em 1936 – três anos após a chegada de Adolf Hitler (1889-1945) ao poder na Alemanha – trazem um registro perturbador da demonstração de força do regime, em uma Olimpíada marcada pela exclusão de atletas judeus alemães das competições.
A tentativa alemã de usar o evento como instrumento de propaganda para difundir a ideia da superioridade ariana naufragou com o entusiasmo da plateia pelo atleta negro americano Jesse Owens (1913-1980) no Estádio Olímpico de Berlim. Ele ganhou quatro medalhas de ouro e se tornou o herói dos Jogos.
Como muitos outros atletas, Owens se recusou a fazer a saudação nazista no pódio.
A Alemanha havia sido excluída dos Jogos Olímpicos de 1920 e 1924, após a Primeira Guerra Mundial. Por isso, receber a edição de 1936 deveria ter sido um momento de transição.
Mas a invasão da Polônia por Hitler, em 1939, forçou um intervalo de oito anos nos Jogos Olímpicos – e, quando o evento retornou em 1948, a Alemanha foi novamente suspensa.
3. Lis Hartel ganha a medalha de prata em Helsinque, 1952
Nos Jogos Olímpicos de 1952 em Helsinque, na Finlândia, os civis e as mulheres finalmente foram autorizados a competir no hipismo, que antes era reservado apenas aos militares.
Na ocasião, as mulheres competiam com os homens e só podiam participar do adestramento.
Mas nada impediu a atleta dinamarquesa de 31 anos Lis Hartel (1921-2009) de competir com sua égua Jubilee – nem as restrições impostas às mulheres, nem a sua própria deficiência.
Oito anos antes, a atleta havia contraído poliomielite, que a deixou paralisada abaixo do joelho. Ela precisava de ajuda para montar, mas sua deficiência desaparecia na hora da prova. E Hartel ganhou a medalha de prata na competição.
Posteriormente, ela comentou: “o mais difícil foi ficar de pé no pódio”.
4. Tommie Smith e John Carlos protestam contra a segregação racial na Cidade do México, 1968
Os Jogos Olímpicos da Cidade do México, em 1968, transformaram-se em uma plataforma inesperada para o Movimento dos Direitos Civis.
Os medalhistas dos 200 metros rasos – os atletas americanos Tommie Smith (ouro) e John Carlos (bronze) – tomaram o pódio e levantaram os punhos com luvas negras para fazer a saudação Black Power. Eles protestavam contra a injustiça racial no seu país.
Este ato abertamente político fez com que ambos fossem suspensos da equipe nacional americana e enviados de volta para casa, onde enfrentaram abusos e ameaças de morte.
“Era algo que precisava ser feito”, contou Smith à BBC em 2012. “Eu queria aquilo? Não.”
Somente em 2019, o nome de Smith foi finalmente acrescentado ao Hall da Fama do Museu Olímpico e Paralímpico dos Estados Unidos, no Estado do Colorado. O gesto reconheceu que o ato de rebelião que destruiu a carreira do corredor mais rápido do mundo nos 200 metros, pelo menos, colocou o atleta no lado certo da história.
5. Nadia Comăneci na trave olímpica em Montreal, 1976
Até que a romena Nadia Comăneci, com 14 anos da idade, subisse na trave olímpica nos Jogos de Montreal, no Canadá, nenhum ginasta olímpico havia tirado nota 10 – a perfeição completa.
A surpresa atingiu até a placa que anunciava as notas na Olimpíada de 1976 – ela não havia sido programada para mostrar o número 10. No seu lugar, surgiu a nota 1,00.
Mesmo com a placa mal planejada, a multidão foi ao delírio, especialmente quando a estudante realizou o feito várias outras vezes em seguida. Ela totalizou sete notas 10, ganhando três medalhas de ouro, uma de prata e uma de bronze.
“Ninguém me disse que a nota 10 nunca havia sido atingida na história olímpica”, declarou ela à TV canadense CBC Sports, em 2017. “Por isso, eu simplesmente fui fazer o que havia planejado.”
6. Edwin Moses vencendo uma sequência de obstáculos em Los Angeles, 1984
A fotografia tirada nos Jogos Olímpicos de 1984, em Los Angeles, nos Estados Unidos, mostra o corredor americano Edwin Moses a caminho de um reinado de 10 anos, quando era imbatível nos 400 metros com barreiras.
Seus passos imensos – ele precisava de apenas 13, em vez do padrão de 14, para completar a corrida – deixava seus concorrentes para trás.
Quando sua sequência de vitórias chegou ao fim, ele mudou inesperadamente sua carreira esportiva para o bobsled – e foi no trenó que ele ganhou medalha de bronze com seu colega Brian Shimer, na Copa do Mundo da modalidade, em 1990.
Mas a corrida de obstáculos foi o primeiro amor da sua vida.
“É o evento número 1 para homens e mulheres no planeta”, declarou ele à publicação especializada em atletismo Citius Mag, no início deste ano. “Será um dos pontos altos dos Jogos Olímpicos.”
7. Florence Griffith-Joyner comemora em Seul, 1988
A corredora americana Florence Griffith-Joyner (1959-1998) trabalhava em um banco. Ela havia interrompido sua carreira no atletismo, até que o técnico Bob Kersee a trouxe de volta às pistas.
Nas eliminatórias para os Jogos Olímpicos, ela quebrou o recorde mundial dos 100 metros rasos em 0,3 segundos. Foi quando suas concorrentes perceberam que teriam um problema pela frente.
Aos 28 anos de idade, com suas longas pernas e unhas, “Flo-Jo” se mostrou imbatível nos Jogos Olímpicos de 1988 em Seul, na Coreia do Sul. Ela quebrou o recorde dos 200 metros rasos duas vezes em um único dia.
Infelizmente, uma convulsão epiléptica pôs fim à sua vida apenas 10 anos depois. Mas seus recordes nos 100 e 200 metros rasos permanecem até hoje.
8. Hicham El Guerrouj faz história no atletismo em Atenas, 2004
Oitenta anos depois que o “finlandês voador” Paavo Nurmi (1897-1973) fez história com sua dupla vitória nos Jogos de Paris (1924), nos 1500 e nos 5000 metros, um novo concorrente aparecia na linha de partida.
O atleta marroquino Hicham El Guerrouj, detentor do recorde mundial dos 1500 metros (que não foi batido até hoje), levou o ouro naquela prova. Mas ele ainda precisava correr os 5000 metros, que traz concorrência mais acirrada.
Nos segundos finais da prova, El Guerrouj ultrapassou os dois primeiros colocados e cruzou a linha de chegada em primeiro lugar.
Seu emblemático sinal com dois dedos ao final da corrida – representando suas duas medalhas olímpicas – também faz parte da sua história. E, quando subiu ao pódio, ele foi tomado pela emoção.
9. Usain Bolt domina as provas masculinas em Pequim, 2008
Com 1,95 metro de altura, o corredor jamaicano Usain Bolt arrasou os adversários nos Jogos Olímpicos de Pequim, na China, em 2008. Ele venceu as provas de 100 metros rasos, 200 metros rasos e o revezamento 4×100 metros, quebrando três recordes mundiais.
Com suas brincadeiras na linha de partida e sua pose vitoriosa característica To Di World (uma marca que ele viria a registrar posteriormente), o carismático atleta logo se tornou o garoto-propaganda da Olimpíada de 2008.
Bolt viria a perder a medalha de ouro do revezamento dos Jogos de Pequim, depois que um companheiro de equipe, Nesta Carter, foi flagrado em um exame antidoping.
Mas 2008 foi apenas o começo. Bolt foi ainda mais longe com seus tênis dourados. Ele estabeleceu novos recordes mundiais para os 100 metros rasos, 200 metros rasos e o revezamento 4×100 metros, que não foram batidos até hoje.
Em outro feito histórico, Bolt também ganhou o ouro nas três modalidades, nos dois Jogos Olímpicos seguintes – Londres 2012 e Rio 2016.
10. Ryan Murphy e Caeleb Dressel comemoram no revezamento 4×100 medley em Tóquio, 2021
Mesmo com a pressão do britânico Adam Peaty, a emocionante disputa do revezamento medley 4×100 terminou com a equipe americana de natação batendo o recorde mundial e levando a medalha de ouro em Tóquio, no Japão, em 2021.
Os Estados Unidos ganharam a prova em todos os Jogos Olímpicos, exceto na Olimpíada de Moscou, em 1980, devido ao boicote americano pela invasão soviética do Afeganistão.
Mas o mais interessante sobre esta imagem talvez seja o que ela não mostra. As restrições impostas pela pandemia de covid-19 deixaram o ginásio sem espectadores. Os únicos observadores eram os funcionários, com máscaras, e os atletas.
Com um ano de atraso e acompanhada na segurança da nossa sala de estar, a chama dos Jogos Olímpicos de 2020 trouxe uma luz muito necessária em um período sombrio da nossa história.
O livro The Last Heroes: 100 Moments of Olympics Legend, de Olivier Margot e Étienne Bonamy, foi publicado pela editora Assouline.
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Culture.
Fonte: BBC
Fotos: ALAMY, GETTY IMAGES, SHUTTERSTOCK