No Dia de Combate à Intolerância Religiosa há “pouco a comemorar”, diz liderança

Nesta quinta-feira, 21, é celebrado o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. Os números mostram, no entanto, que há pouco o que comemorar. As denúncias de casos relacionados à intolerância religiosa, destinadas à Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH), pelo Disque 100, aumentaram 41,2% no primeiro semestre de 2020 em relação ao mesmo período de 2019. Se comparado ao mesmo período de 2018, as denúncias aumentaram 136%, segundo dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH)

Segundo Hédio Silva Júnior, Coordenador Executivo do Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-brasileiras, o aumento das queixas está ligado a dois fatores: “o aumento da consciência de direitos entre as lideranças afro-religiosas” e o contexto geral de intolerância na sociedade brasileira. 

Privatização do Estado por interesses religiosos

“Nos últimos anos, facções religiosas vêm privatizando determinados espaços públicos. E lamentavelmente o atual presidente é um dos mais entusiastas defensores da privatização do Estado por interesses religiosos”, afirma Júnior. Como exemplo, ele cita as investidas de Jair Bolsonaro de preencher cargos públicos, entre ministérios e o Supremo Tribunal Federal (STF), com nomes “terrivelmente” evangélicos, como o de Damares Alves, chefe do MMFDH.

A administração pública, entretanto, é regida por um princípio constitucional que é o princípio da impessoalidade. Isso significa que os interesses particulares, de cunho religiosos ou não, não podem se sobrepor aos interesses públicos, pelos quais o servidor está no cargo.

“Para a sociedade não interessa qual é a religião do presidente da República, mas o que ele faz em termos de política pública, serviços públicos, criação de oportunidade, garantia de direitos, etc. Mas, lamentavelmente, se há hoje uma figura que é um dos principais defensores e propagandistas da intolerância religiosa é o presidente da República”, afirma Júnior.

O coordenador diz que o “problema” são os discursos que “propagam o medo” e a “tentativa de materialização da figura do demônio” em templos de religiões de matriz africana. “O problema é que parte desse discurso não se limita ao proselitismo. Parte desse discurso é destinado a propagar o ódio e a incitar brasileiros a acreditarem que os seus problemas se devem à existência das religiões afro-brasileiras”, diz Júnior.

Em fevereiro de 2017, durante um encontro na Paraíba, Jair Bolsonaro defendeu o fim do Estado laico e atacou outras religiões, ao dizer: “Deus acima de tudo. Não tem essa historinha de Estado laico não. O Estado é cristão e a minoria que for contra, que se mude. As minorias têm que se curvar para as maiorias”.

“Intolerância enquanto obstáculo à democracia”

Segundo Júnior, a mobilização e a conscientização da comunidade afro religiosa no Brasil são crescentes, o que explica, em parte, o aumento do número de denúncias relacionadas à intolerância religiosa, ainda que haja uma subnotificação, nas palavras do coordenador. Para ele, “a sociedade precisa pautar o tema da intolerância religiosa como um obstáculo à democracia, que corrói a democracia, a paz social”.

Paralelamente, o Estado, enquanto garantidor da proteção social, deve adotar medidas preventivas contra este cenário, por meio das instituições de ensino, os meios de comunicação e a indústria cultural como um todo, que envolve a produção cinematográfica, teatral e musical, por exemplo. 

“Nós precisamos avançar não só no sentido de reprimir a discriminação, mas criar uma cultura de convivência e coexistência, não só entre os grupos religiosos, mas também entre os brasileiros que não professam religião nenhuma”, defende Júnior. 

Os últimos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam 191 milhões de pessoas religiosas no Brasil, das quais 589 mil são da Umbanda, do Candomblé e de outras declarações de religiosidades afro-brasileiras. Júnior afirma, no entanto, que há um número “extremamente grande e subnotificado” no censo feito pelo IBGE, cujos dados ainda são de 2010.

“Eu sempre cito o caso do Rio Grande do Sul, onde há 70 mil terreiros de religiões afro. Se você considera que cada templo tem em média 50 fiéis,  estamos falando que no Rio Grande do Sul há 3 milhões de afro religiosos, ou macumbeiros, como eu gosto de falar”, afirma Júnior

O Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa

O dia 21 de janeiro foi escolhido como o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa em homenagem à mãe de santo Gildásia dos Santos e Santos, Mãe Gilda, vítima de intolerância religiosa.  Em 1999, a Igreja Universal do Reino de Deus publicou uma reportagem no jornal Folha Universal com o título “Macumbeiros charlatões lesam o bolso e a vida dos clientes” e a foto de Mãe Gilda.

Desde então, a mãe de santo e outros membros do terreiro de Candomblé Ilê Axé Abassá de Ogum, fundado por Mãe Gilda, passaram a ser alvos de perseguição, o que resultou no agravamento de problemas de saúde, levando-a à morte no dia 21 de janeiro de 2000.

 

*Brasil de Fato 

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