Impasse impede que 1.500 artistas gaúchos recebam prêmio do Trajetórias Culturais

Através de recursos da Lei Aldir Blanc, 1.500 artistas gaúchos foram contemplados com o prêmio Trajetórias Culturais – mestra Sirley Amaro. O edital da Secretaria da Cultura do RS (Sedac), que teve por objetivo selecionar pessoas físicas como forma de reconhecimento e valorização de suas trajetórias culturais, prevê que o pagamento dos prêmios de R$ 8 mil seria efetuado até o dia 15 de junho. Os valores, porém, até esta quarta-feira (16), não chegaram aos artistas, que se organizaram e lançaram uma carta de repúdio, enviada à Sedac e ao governador Eduardo Leite (PSDB).

Uma das contempladas no edital, a produtora cultural Josiane Arruda, montou um grupo no Whatsapp reunindo artistas e representantes de entidades culturais. Ela foi uma das pessoas que entregou o manifesto do grupo ao governo, na segunda-feira (14), cobrando o cumprimento do edital. “Estamos sendo sacaneados pela Sedac. São 1.500 famílias esperando este recurso”, critica, destacando a postura intransigente da secretaria desde o início do processo.

Conforme nota da Sedac desta quarta-feira (16), os pagamentos não foram autorizados devido à falta de respostas aos questionamentos realizados pela secretaria ao Instituto Trocando Ideia, responsável pela execução do edital. “O repasse dos recursos só será feito mediante resposta satisfatória da instituição parceira a todas as questões levantadas”, afirma a nota.

O Instituto Trocando Ideia lançou uma nota pública, nesta terça-feira (15), reafirmando seus compromissos sociais e políticos na execução do Edital. A entidade afirma que respondeu diversas contestações da Sedac, que foram ampliadas no decorrer do processo. “As diligências não cessaram até a data de hoje, quando deveríamos estar concluindo o processo de pagamento”, afirma.

Conforme conta a coordenadora do Instituto, Fabiana Menini, a entidade respondeu a todas as exigências da Sedac, tanto no período de recursos do edital quanto após. “Foram mais de 900 recursos no período de recursos, um volume grande num total de 5.200 inscrições, mas todos foram respondidos”, afirma. “Após o período, já com a lista final de quem foi contemplado, a Sedac passou a enviar e-mails para serem respondidos, denúncias. Como estamos sob contrato, respondemos todos os e-mails.”

A nota da Sedac afirma que a pasta “cumpre o seu papel de orientar e fiscalizar a instituição parceira. Assim, trabalha para que todos os envolvidos sejam atendidos de forma justa e plena. A Sedac reafirma seu compromisso com a transparência, julgamento objetivo, controle social e atendimento rigoroso das regras previstas no Edital Trajetórias Culturais, bem como em todos os editais da secretaria ou elaborados por meio de parcerias”.

Edital previu 51% dos prêmios para cotas

Um dos diferenciais do edital do Trajetórias Culturais – mestra Sirley Amaro foi o estabelecimento de cotas sociais e étnicas para 51% dos premiados. O modelo foi discutido e acatado pela Sedac, afirma Fabiana. As cotas são para autodeclarados negros, pardos, indígenas, quilombolas, ciganos, pessoas trans e pessoas com deficiência, “invertendo a lógica de concentração das premiações para as mesmas pessoas que, na maioria, já haviam acessado políticas públicas e editais ao longo do último período”, conforme a nota da entidade.

“Não tenho dúvida de que isso é por causa das cotas, é uma represália por causa das cotas, porque esse edital é uma inovação, quebra um paradigma, primeiro porque é realizado por um instituto formado por produtores e artistas”, avalia Josiane, entendendo como racismo estrutural. Ela destaca ainda o diferencial de não ser uma grande empresa contratada para executar um edital do Estado.

O Instituto Trocando Ideia é uma organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, com 21 anos de atuação em projetos culturais em Porto Alegre. Tem experiência com oficinas, eventos, encontros, shows, festivais e articulações a partir da cultura urbana do hip hop.

A produtora cultural destaca que o prêmio é um “auxílio emergencial, porque a Lei Aldir Blanc é um auxílio emergencial”, e contempla pessoas que têm historicamente a sua trajetória invisível, mas que contribuíram muito pra cadeia produtiva da cultura aqui no RS. “Pessoas que nesse momento não estão podendo trabalhar, estão passando dificuldades com sua família, com luz cortada, água cortada, passando fome, pegando cesta básica nas associações de músicos.”

Conforme explica a coordenadora do Trocando Ideia, 98% dos questionamentos encaminhados pela Sedac foram feitos por homens, brancos, héteros, de Porto Alegre e Região Metropolitana. “Nenhum dos e-mails após o período demonstram racismo explícito, mas é racismo estrutural”, opina Fabiana.

Josiane conta que durante a entrega do manifesto para a secretaria e o Executivo estadual, na segunda-feira, eles foram recebidos por uma diretora jurídica representante da Cultura. Segundo ela, foi dito que se fosse resolvida uma diligência que havia sido enviada até as 11h da manhã de terça-feira, o pagamento seria liberado. “A gente foi pra cima do Trocando Ideias e eles mandaram a resposta às 8h da manhã, mas a Sedac não cumpriu o que falou para nós e mandou mais duas diligências”, critica.

Fabiana disse que nesta quarta-feira chegou mais uma diligência, a ser respondida até as 16h. “Essa de hoje é referente a pessoas já respondidas em questionamentos anteriores, mas pedem complementação”, explica. Segundo a coordenadora, o recurso de R$ 12 milhões já está na conta do Instituto e o depósito aos artistas vai iniciar em três dias úteis após a Sedac liberar o pagamento aos 1.500 artistas contemplados.

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