Empresas podem exigir que o funcionário se vacine contra a Covid-19?

A pandemia de Covid-19 trouxe diversas adaptações para o mundo do trabalho. Modelos que já existiam e que antes não eram implementados, entraram em ação. A saúde dos trabalhadores passou a ser uma preocupação efetiva para as empresas – e protocolos de higiene viraram rotina. 

A chegada da vacina acrescenta mais um capítulo nessa história. Uma pesquisa do Instituto Datafolha informa que 22% da população brasileira se negará a tomar a vacina. Ainda, 5% declarou estar em dúvida se a tomará ou não. Diante deste cenário, fica a questão: os empregadores podem obrigar seus funcionários a se vacinarem?

A advogada da área Trabalhista e Gestão de Recursos Humanos, Kerlen Costa, explica que ninguém pode ser obrigado a se vacinar, porém, Estados e Municípios poderão impor regras restritivas para quem não estiver vacinado. “Essa foi a decisão recente do STF, motivado por diversas ações de movimentos antivacina, que hoje já compõem 22% da população brasileira adulta”, esclarece.

Ou seja, a liberdade individual se estende até o momento em que esbarra na coletividade, estando o princípio da dignidade da pessoa humana inserido nesse contexto. “Uma vida digna também depende da observância de regras de proteção à saúde do empregado por parte do empregador. Nem poderia ser diferente. Afinal, seria no mínimo conflitante que a Justiça determinasse ser do empregador o ônus quando o trabalhador contrai a Covid-19, ao mesmo tempo em que proíbe a empresa de exigir que o empregado execute a única maneira de erradicar esse vírus”, aponta Kerlen. 

A advogada destaca que a obrigatoriedade não se confunde com a vacinação forçada: o empregado pode buscar um emprego em que a vacinação não seja uma condição. “Se é dever do empregado obedecer às normas de saúde e à segurança do trabalho, conforme disposto no artigo 158 da CLT, nos parece óbvio que sua recusa no cumprimento dessas regras caracteriza ato faltoso de sua parte, sendo passível de punição”, explica. 

Nesse cenário, o empregador poderá impor a apresentação de comprovante de vacinação contra a Covid-19 do seu empregado, sob pena de advertência, suspensão e rescisão por justa causa. “Como grande parte das regras do nosso ordenamento jurídico celetista, essa exigência poderá ser flexibilizada em determinadas situações como, por exemplo, quanto aos empregados que estão exclusivamente em regime de teletrabalho ou àqueles que, por algum motivo justo e comprovado, sejam incompatíveis com a vacina”, afirma a profissional. 

Aglomerações

Além da questão da vacina, temos outras situações trazidas pela pandemia. As chamadas aglomerações, que facilitam a infecção do coronavírus, são um exemplo. O que o trabalhador faz fora das dependências da empresa e de seu horário de trabalho não é passível de controle. Contudo, o funcionário precisa ter ciência de que o ato é irresponsável não apenas com a empresa, mas com toda a coletividade.

“Considerando que o STF já declarou que a Covid-19 será considerada doença laboral se a empresa não comprovar que o colaborador a adquiriu fora do trabalho, sugere-se que o empregador guarde provas dessas aglomerações para que, em caso de uma reclamatória trabalhista por coronavírus, a mesma possa estar resguardada”, indica Kerlen. 

Omissão de sintomas

Outra situação é o possível contato com outras pessoas infectadas e a omissão dos sintomas da Covid-19 por parte do trabalhador. Nestes casos, conforme explica Kerlen, a empresa pode aplicar testes pagos pela própria organização e testar a temperatura frequente de seus trabalhadores, mas são cuidados apenas. Não são obrigações.

De qualquer forma, a advogada ressalta que é obrigatório que a empresa siga todas as normas da legislação municipal para que possa operar durante a pandemia e tais cuidados precisam ser documentados. “Isso inclui regras e cuidados internos, afixação de cartazes com orientações, entrega de EPI’s, regras de distanciamento e atendimento ao público. Esses pontos devem evitar que o vírus se propague na empresa, ainda que um trabalhador seja assintomático”, expõe. 

Como preservar as relações

Diante da série de possíveis conflitos que podem acontecer, é preciso ver formas de preservar as relações trabalhistas. Segundo a consultora e especialista em liderança, comunicação e engajamento, Sheila Sampaio, ainda que pareça contraditório, é preciso conduzir a situação com leveza e objetividade.

“E digo isso para que possamos evitar acrescentar mais peso à situação do que ela já tem: sem posicionamentos ou julgamentos ideológicos, sem personalização, e com embasamento nas orientações de órgãos oficiais”, aponta. Segundo a profissional, o humano tem uma tendência natural a resistir a mudanças, e com as novas condutas na pandemia não seria diferente. “Mas estamos falando de uma relação formal que sempre teve regras com o objetivo de zelar pelo bem estar de todos, como saúde e segurança do trabalho, por exemplo. E é com este viés que a colaboração tanto da empresa quanto dos colaboradores deve ser solicitada: ação individual para benefício coletivo”, orienta. 

Para Sheila, entre os principais desafios trazidos pela pandemia neste cenário, estão a gestão do medo e a capacidade de colaboração. “As pessoas jurídicas enfrentam os riscos do mercado, do negócio e financeiros; e as pessoas físicas enfrentam riscos à sua saúde, psicológicos e desemprego. O medo não é um bom ingrediente em uma relação pois pode nos fazer pensar e agir no modo luta ou fuga, e limitar a nossa capacidade de tomar boas decisões”, aponta a profissional. 

De acordo com a consultora, conscientizar as fontes de medo permite ver que, na relação de trabalho, nem empresa nem colaborador são a causa, e que não estão em lados opostos nem representam ameaça um ao outro. “E essa consciência restabelece a capacidade de colaboração da relação”, finaliza.

 

 

*Correio do Povo 

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